Uma reflexão para a indústria de Defesa no Brasil

Expedito Carlos Stephani Bastos - InfoRel

“O desejo de ter um equipamento brasileiro deve ser dos brasileiros e não dos fabricantes mundiais. Tecnologia não se compra, desenvolve-se.”

Muito se têm debatido sobre a Indústria de Defesa no Brasil, nos mais variados fóruns que ocorrem no país nos últimos anos, mas nada de concreto tem sido realmente feito para uma retomada nessa área tão vital para o nosso futuro.

Discute-se apenas como forma de mostrar que o assunto não está esquecido, mas no campo prático muito pouco ou quase nada tem sido feito. A situação das empresas, privadas ou estatais continua a mesma, o mesmo ocorrendo com as Forças Armadas que já estão se acostumando a viverem longos períodos com grande falta de recursos e sem um orçamento representativo.

Mas não custa nada apresentar algumas opções que poderiam ajudar, se realmente existisse vontade política e planejasse o país para daqui a cinqüenta anos como fazem muitos.

Faz-se necessário uma readequação do nosso Parque Industrial de Defesa, com fusões de empresas, tornando-as mais competitivas e diversificadas, como tem sido feito na Europa e Estados Unidos; criar uma agencia de aquisição e avaliação de material para as três forças ligadas ao Ministério da Defesa, com poder de decisão e como forma de transformar as forças armadas em operadoras de sistemas de armas e não detentoras de plataformas “A” ou “B”, interagindo-as nos sistemas que forem comuns.

Recriar empresas estatais para produção de material de defesa que não sejam de interesse das privadas (pouca lucratividade, pequenas quantidades e longo tempo de compras), como forma de suprir e manter operacional itens importantes que possam ser produzidos no país, evitando-se importações em escala pequena como tem ocorrido na atualidade. (substituímos o avião Bandeirante brasileiro por um espanhol).

Flexibilizar nossos requisitos técnicos, pois no papel são excelentes, mas na prática lamentáveis, e mais ainda criarmos uma maior interação entre os diversos centros de pesquisas, civis e militares, que na atualidade funcionam como ilhas, sem comunicação uma com as outras, onde em vários deles se pesquisam as mesmas coisas, gerando gastos e cometendo erros reincidentes até obterem praticamente os mesmos resultados, visto que sempre estamos a reinventar a roda, cometendo erros idênticos a cada 20 anos.

Criar regras bem definidas, principalmente em quais itens seriam de maior interesse para o reequipamento das Forças Armadas e que os gargalos tecnológicos que terão de ser enfrentados possam vir de cooperação oriundas de países que realmente querem e podem transferir tecnologia de ponta que muito ajudaria para salvarmos os "sobreviventes" do que foi a Indústria de Defesa Brasileira.

Conhecer o nosso passado e aí sim termos uma idéia do que pode ser aproveitado para o aprimoramento e a continuação de projetos que eram viáveis nos anos 90 e que podem ainda muito bem, com algumas modernizações, terem um grande valor para reequipar nossas Forças Armadas e servir como plataforma para agregar conhecimentos importantes e a partir daí caminharmos para uma sofisticação maior, visto que em tecnologia não se dá grandes saltos, mas sim pequenos passos que somados possibilitam um caminhar suave e crescente.

Definir os porquês, para quê e de que forma pretendemos, no futuro, empregarmos estas forças, qual o nível de tecnologia que queremos e necessitamos, visto que não temos ambições expansionistas, mas precisamos criar um bloco regional, que sem dúvida caberá a nós ser o elo e a força maior para que a região possa ter mais voz ativa no conturbado século XXI, cujo horizonte não é dos melhores.

Evitar que empresas ligadas à área de defesa digladiem entre si, como no passado, fazendo com que muitos projetos fossem largados de lado, numa competição que caminhava para uma quase hegemonia de um determinado grupo, sendo que muitas das soluções e necessidades reais de nossas Forças Armadas fossem esquecidas, sonhando com um grau de sofisticação muito distante de nossa realidade, tanto que hoje continuamos a comprar equipamentos de segunda mão excedentes da Europa e Estados Unidos, embora em vários casos houvesse um similar nacional, muita das vezes superior ao que vem sendo adquirido.

Ter uma visão estratégica que nos faltou em décadas passadas, e compreendermos que produzir e desenvolver material de defesa não faz mal à sociedade, visto que se conseguirmos dominar pontos importantes nesta área, ela trará enorme benefício a todos, desenvolvendo tecnologias sensíveis que os países mais desenvolvidos não querem e não podem nos transferir.

Só um decreto não basta para mantermos e ampliarmos uma Indústria de Defesa. Seria de extrema importância manter um Museu Tecnológico que agregaria tudo o que sobrou do nosso desenvolvimento nessa área nas décadas passadas, reunindo num mesmo lugar com a finalidade de servir de base para desenvolvimentos futuros.

Analisar a grande interatividade entre a indústria nacional/multinacionais e as Forças Armadas, na época, transformando o País num produtor de material de defesa para seu uso e exportação, com erros e acertos, desenvolvendo tecnologias que na maior parte não podia ser comprada, pela simples razão de que quem as detém não ensina a dominar seu ciclo de produção, criando a terrível dependência.

Diversas etapas do ciclo de projeto, desenvolvimento e produção foram exercitados e entendidos. No momento em que toda a cadeia de desenvolvimento e produção entrou em crise, os governantes não cuidaram em preservá-la, incluindo aí todo o conhecimento gerado por anos de pesquisas e qualificação de pessoal, que da noite para o dia se viu desempregado, desamparado e lançado à própria sorte.

Nem o material foi mantido para uma retomada futura - a maior parte virou papel velho - e o maquinário e protótipos simplesmente foram sucateados, vendidos como ferro velho, sepultando assim um fator essencial para o domínio da tecnologia na área de defesa.

Faltou visão estratégica e vontade política, pois as alegações de que “importar é mais barato” e que “isso era resquício da ditadura” prevaleceu nos últimos anos e somente agora estamos percebendo o que realmente foi feito.

Expedito Carlos Stephani Bastos é Pesquisador de Assuntos Militares da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).

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