A defesa antimíssil na Europa

Alexandre Reis Rodrigues - Jornal Defesa e Relações Internacionais

A ideia de um sistema nacional de defesa antimíssil nos EUA tem mais de 50 anos. Foi proposta, pela 1ª vez, no início da década de 60 pelo Exército americano mas rejeitada por Mc Namara, então Secretário da Defesa, por não se integrar na estratégia de dissuasão de “destruição mútua assegurada”.

O projecto, no entanto, nunca deixou de evoluir à luz dos progressos tecnológicos entretanto alcançados. Um dos seus momentos de maior visibilidade e polémica ocorreu durante a presidência de Reagan, quando este avançou com a ideia, algo megalómana e irrealista, da Strategic Defense Initiative, que ficou conhecida por “Guerra das Estrelas”. Reagan procurava tirar partido da vantagem económica dos EUA, usando o projecto mais como uma arma política do que uma arma real, tendo em vista forçar uma alteração do equilíbrio estratégico em que as duas potências viviam, o que foi conseguido alguns anos mais tarde.

A Europa, mostrando pouco interesse pelo assunto, não tem ido além de condescender, algo relutantemente, de que é necessário prestar mais atenção ao problema da defesa antimíssil (Cimeira de Praga de 2002). Antes, em 1999, por ocasião do 50º aniversário da Aliança e aprovação do Conceito Estratégico, tinha concordado em incluir uma referência nesse documento sobre a importância crescente da ameaça dos mísseis balísticos contra forças destacadas. Aliás, é apenas neste campo que deu alguns passos iniciais, mas só ao nível dos que não implicam grandes decisões, no campo dos estudos de viabilidade.

Agora, porém, a Europa está confrontada com a intenção americana de instalar, em território europeu, um segmento avançado do escudo de protecção antimíssil que está a ser desenvolvido pela Missile Defense Agency. Será uma espécie de linha avançada de defesa do território americano na direcção das ameaças prováveis, neste caso representadas pelo Irão, dentro da lógica de que, quanto mais perto da fonte de ameaça estiverem os sensores e interceptores, mais alerta e mais pronta capacidade de reacção será conseguida.

Este novo passo tem estado a ser gerido pelos EUA numa base puramente bilateral para a procura de um entendimento com os países onde necessitam de obter facilidades para a instalação de componentes do sistema. Não parece, no entanto, que seja possível manter a discussão do assunto apenas ao nível bilateral. Mesmo que a Europa decida colectivamente não participar terá, no mínimo, que encarar o impacto político-militar que a utilização do solo europeu para instalar algumas componentes do escudo terá no relacionamento diplomático da Europa com o exterior, em especial com a Rússia, e na sua própria segurança.

Aliás, o assunto já é matéria de intenso debate interno europeu, com as opiniões muito divididas entre os que apoiam e até pretendem participar na iniciativa – casos da Polónia, República Checa, Reino Unido e Dinamarca – e os que, de algum modo liderados pela Alemanha, atribuem prioridade à manutenção de um clima de não confrontação com a Rússia, que se declara “ameaçada” pelo projecto.

Presumo que Portugal não tem uma posição definida sobre este assunto mas será conveniente que venha a ter; Castro Caldas, quando era Ministro da Defesa, chegou a declarar que Portugal poderia acolher componentes do sistema mas o ministro estava apenas a ser voluntarista, sem sequer conhecer o problema e não tendo qualquer base de apoio político para assumir essa posição. O tema vai ser brevemente discutido na UE na NATO. É essa aliás a estratégia que a Presidência alemã da UE está a seguir e que, provavelmente, passará, no 2º semestre deste ano, para as mãos de Portugal. Solana já mostrou disponibilidade para promover essa discussão Melhor seria, portanto, abrir já um dossier para esta questão.

Há duas questões principais em cima da mesa: a da prioridade que o sistema deve ter, à luz da avaliação europeia das ameaças, e o tipo de participação que a Europa poderá ter no projecto, eventualmente através da NATO. Ambas são bastante complexas em quase todas as vertentes de apreciação: a tecnológica (tudo está ainda num estádio muito experimental), a económica (trata-se de um projecto extremamente dispendioso que porá em causa a já reduzida capacidade europeia de ter umas forças armadas minimamente credíveis), a militar (diferentes leituras na forma de avaliar a ameaça, sérias dúvidas sobre a eficácia do sistema, etc.) e, finalmente, a política que será talvez a mais difícil.

O Secretário-Geral da NATO ao dizer que acolhe com agrado a proposta de Merckel de trazer o assunto para o seio da NATO, anunciando um debate para breve, mostra-se pronto a encaminhar o tratamento do assunto reconhecendo a sua dimensão multinacional; no entanto, por outro lado, já anunciou que a NATO não interferirá com o processo das negociações em curso dos EUA com os 4 países europeus atrás referidos, por entender que o assunto é bilateral! Obviamente, os que estão envolvidos em negociações também pensam desta última maneira, embora talvez com a esperança de que possam arrastar os relutantes. Não me parece que vá ser fácil.

O projecto é americano, respeita à defesa do seu território com base numa avaliação da ameaça que os EUA sabem não ser subscrita pelos europeus; em nenhuma circunstância, o sistema será posto sob controlo da NATO, sujeito a mecanismos de decisão que os EUA não aceitam e que, de facto, não são compatíveis com tempos de reacção de alguns minutos. Esta, quando muito, poderá ter a possibilidade de integrar o seu sistema de defesa antimíssil de teatro – se, de facto, resolver passar dos estudos de viabilidade para a concretização – mas isso, além de também extremamente dispendioso, levantará problemas muito complexos de comando e controlo.

O assunto vai arrastar-se por muito tempo, sem hipóteses de beneficiar de uma saída consensual no curto/médio prazo. Espera-se, pelo menos, que possa ser conduzido sem se constituir numa fonte de envenenamento das relações transatlânticas, uma área que Portugal não pode descurar.

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