"Apenas substituímos armas dos EUA"



General venezuelano nega planos de operação militar fora das fronteiras e justifica compra de armas como reposição, Alberto Müller Rojas critica novas milícias e diz que seu país não tem capacidade para fazer uma intervenção militar efetiva na Bolívia.

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Um dos principais conselheiros militares do presidente Hugo Chávez nos últimos anos, o general Alberto Müller Rojas, 72, diz que as recentes compras de armas feitas pela Venezuela foram a solução para o embargo imposto pelos EUA e seguem a lógica de uma guerra assimétrica defensiva. Para ele, as preocupações do senador José Sarney (PMDB-AP) sobre o assunto são "ridículas".

Em julho, Müller Rojas teve uma divergência pública com Chávez ao afirmar que as Forças Armadas do país estão "politizadas" e foi repreendido. Com isso, se afastou da cúpula do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), em processo de criação, embora continue filiado. Leia a entrevista que concedeu à Folha:

FOLHA - As preocupações do senador Sarney sobre as compras de armas da Venezuela procedem?

ALBERTO MÜLLER ROJAS - É simplesmente ridículo. Quando se examinam os gastos militares na Venezuela, o país ocupa o sexto lugar. O país que mais gasta é o Chile, seguido do Brasil. A Venezuela não está em nenhuma corrida armamentista. O ex-presidente Sarney deve estar louco ou é simplesmente um farsante. Ele conhece perfeitamente, por sua experiência de chefe de Estado, qual é o tamanho da força do Brasil e qual é o tamanho da força venezuelana. É uma diferença abismal.

FOLHA - A Venezuela já comprou US$ 4 bilhões em armamentos da Rússia, e a expectativa é que o montante triplique. Qual é o motivo?

MÜLLER - A Venezuela nunca usou as Forças Armadas em relações internacionais. Isso não mudará, não é do espírito venezuelano. A compra que a Venezuela está fazendo é, em parte, originada do fato de que uma boa proporção de equipamento militar venezuelano, como os F-16, é americana, e os EUA bloquearam a compra de peças de reposição. As compras são simplesmente para substituir material americano e europeu, porque o bloqueio inclui não apenas a indústria americana, já que a maior parte dos equipamentos fabricados na Europa tem tecnologia americana. O mesmo que a indústria brasileira, nós íamos comprar aviões Tucano, mas não pudemos porque os EUA impediram. Estamos simplesmente mantendo nosso nível de defesa.

FOLHA - As compras seguem a tese da "guerra assimétrica" contra uma invasão?

MÜLLER - Claro, claro. Não podemos equipar as Forças Armadas com equipamentos convencionais. Primeiro, seria um gasto inútil, porque a guerra convencional deixou de existir. É de caráter defensivo, estamos comprando principalmente material antiaéreo e sistemas de vigilância para evitar uma surpresa. Inclusive, na área naval, os submarinos não são armas de ataque, não se pode invadir um país com submarinos, é uma arma defensiva mais barata do que corvetas. Por isso é que esse senador Sarney está especulando ou seguindo os interesses do Pentágono.

FOLHA - A proposta de reforma constitucional de Chávez traz mudanças na área militar, sobretudo a criação de uma quinta Força, a das milícias. O que mudará caso a reforma seja aprovada em referendo?

MÜLLER - Em geral, a reforma não é essencial, está dentro dessa tradição latino-americana do fetichismo pelas leis. Na área militar, a reforma é mais retórica do que efetiva. As milícias existem na Venezuela desde 1811. Originalmente, se chamavam milícias, depois reserva, estamos recuperando o nome histórico do compromisso da sociedade e de seus cidadãos na defesa do país. Isso não tem finalidade agressiva, com uma milícia desse tipo não há capacidade de choque nem mobilidade. Isso é para defesa territorial. E é justamente uma das contradições da reforma, porque se está colocando a milícia como parte de uma força burocratizada, que são os Exércitos convencionais. É uma das contradições das quais discordo.

FOLHA - Chávez disse que interviria militarmente na Bolívia para defender o governo Evo Morales. É um foco potencial de confronto regional?

MÜLLER - Dada a capacidade das Forças Armadas venezuelanas, não há a possibilidade de atuar na Bolívia de forma eficaz em nenhuma circunstância. O raio de ação de nossas forças militares não permite a projeção de contingentes importantes fora do espaço venezuelano. E, caso isso ocorresse, seria uma violação flagrante da Constituição venezuelana.

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