Os últimos subversivos

ISTOÉ revela manobras que impedem indenizações a militares




FRANCISCO ALVES FILHO

Criada pelo Ministério da Justiça para julgar os pedidos de reparação às arbitrariedades cometidas pela ditadura militar, a Comissão de Anistia, em sete anos, já concedeu R$ 2,5 bilhões a milhares de jornalistas, sindicalistas, petroleiros e outros perseguidos políticos. Apenas uma categoria não recuperou integralmente os direitos usurpados: os militares contrários ao golpe de 1964. Alguns recebem proventos mensais, mas muitos não conseguiram as devidas promoções e benefícios. É o caso do brigadeiro da reserva Ruy Moreira Lima, 88 anos, um dos três últimos heróis da FAB na Segunda Guerra ainda vivos. Quando o golpe militar ocorreu, ele foi exonerado do comando da Base Aérea de Santa Cruz e preso. “Fiquei tanto tempo na prisão que não me lembro exatamente quanto”, diz. Posteriormente, os militares o impediram de trabalhar como piloto na aviação civil. Agora, a Comissão de Anistia indeferiu seu pedido de indenização por essa injustiça.

“É como se tivessem nos carimbado para sempre como subversivos”, diz o capitão-demar- e-guerra da reserva Fernando de Santa Rosa, que, em 1964, era assessor do governo João Goulart. Julgamentos que deveriam ser técnicos muitas vezes são influenciados por injunções políticas. O caso mais grave talvez seja o dos 3.612 cabos da Aeronáutica cujos pleitos seriam deferidos em 2003. Uma gravação e documentos a que ISTOÉ teve acesso comprovam que Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça, mudou o veredicto favorável da comissão por pressão do Comando da Aeronáutica. Os processos estão sem solução até hoje.

Esses cabos foram expulsos da FAB com base na portaria 1.104, de novembro de 1964. Desquitado e pai de quatro filhos, Océlio Ferreira, 58 anos, de análise da comissão, explica que, em 2002, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a orientação era conceder a anistia em todos aqueles processos, mas que o posicionamento mudou em 2003, depois da posse de Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça. Janaína relata que 495 processos antes deferidos tiveram a decisão suspensa e outros 3.117 que seriam deferidos foram negados. Na gravação obtida por ISTOÉ, ela afirma que a anulação foi feita dentro do gabinete de Bastos. Ela diz que a decisão não foi publicada para evitar repercussão negativa na opinião pública. “Falaram o seguinte: vamos indeferir e não vamos publicar (...) Estamos no primeiro semestre dessa gestão e não podemos, como Comissão de Anistia, apresentar três mil indeferimentos.”

A estranha intervenção de Bastos para mudar a decisão favorável aos cabos pode ser explicada por um ofício que ele recebeu do então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, datado de 31 de janeiro de 2003. No documento, Bueno fala da “necessidade” de anulação dessa decisão e relata a “preocupação” do comando caso a anistia seja mantida: “Tal circunstância, a par de carretar prejuízos ao erário público, provocará a instabilidade das relações jurídicas já consolidadas na pacífica jurisprudência de nossos tribunais e na legislação militar.” Oito meses depois, Bastos enviou ofício ao então ministro da Defesa, José Viegas: “Informo, por oportuno, que os referidos requerimentos poderão ter seus atos administrativos anulados.” Foi o que realmente aconteceu. “É como se nós estivéssemos sendo perseguidos novamente”, diz o cabo Ferreira.

Abrão Júnior disse à ISTOÉ que a decisão sobre o processo dos cabos foi modificada após consulta à Advocacia Geral da União. Mas os documentos aos quais a reportagem teve acesso comprovam que essa mudança foi arquitetada em 2003, data do ofício do comandante Bueno. Abrão Junior diz que uma decisão final depende do Tribunal de Contas da União. Procurado por ISTOÉ, Thomaz Bastos respondeu, através de sua assessoria, que “não se lembra da questão específica” e que não se recorda de ter feito qualquer intervenção à época.

Colaborou Hugo Marques

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