A guerra da Colômbia na pauta da Unasul

No grupo de 10 “países amigos” dos diálogos com as Farc, seis eram europeus e apenas três da América Latina

Silvio Queiroz – Correio Braziliense

A controvérsia sobre o acordo pelo qual a Colômbia cederá sete bases para operações militares dos Estados Unidos colocou o conflito armado no país vizinho na agenda prática da Unasul. Para discutir o assunto, com os temores e “desconfortos” manifestados pelos vizinhos, foi convocada para o fim do mês, na Argentina, uma cúpula extraordinária do bloco. A coincidência de que o encontro se realize em Bariloche, com sua paisagem andina, remete para o cenário de uma guerra que já entrou pela quinta década e espalha metástases para além das fronteiras. Respeitado o que é de domínio exclusivo de um Estado soberano, sobram repercussões que tornam o fenômeno de interesse regional.

O reforço da presença militar americana no subcontinente é mais do que desconfortável: inspira desconfiança. Principalmente por se seguir à reativação da 4ª Frota naval e por atropelar o processo de estabelecimento do Conselho de Defesa Sul-Americano, como braço da Unasul para coordenar políticas de segurança. E de combate ao narcotráfico e outros crimes transnacionais, eventualmente o terrorismo.

São, por sinal, os itens que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, pretende levar a Bariloche. Será questionado por colegas como Lula e Cristina Kirchner, entre outros, sobre a opção por uma cooperação mais estreita com uma potência “de fora”.

Vai ou racha

O acordo EUA-Colômbia, queixas à parte, é página virada e leite derramado pelo qual é vão chorar. A Unasul, os vizinhos e também a diplomacia brasileira pagam, em certa medida, o preço pela demora em perceber as dimensões mais amplas do conflito entre Estado, guerrilha, esquadrões paramilitares, cartéis do tráfico — os últimos jogando em todos os times. A noção de que os fenômenos se entrelaçavam e contagiavam a vizinhança está no cerne do Plano Colômbia original, concebido e firmado pelos presidentes Andrés Pastrana e Bill Clinton, em 2000. Elemento central do processo era um esforço de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mantido por dois anos, entre muitos percalços, e considerado até hoje uma oportunidade ímpar que se perdeu. Sintomático que, no grupo de 10 “países amigos” que acompanharam os diálogos, figurassem o Canadá, seis europeus e apenas três da América Latina: México, Cuba e Venezuela, único entre os vizinhos de fronteira.

Passada quase uma década, a questão da guerra e da paz na Colômbia tornou-se uma espécie de batismo de fogo para a Unasul. Desarmar o incômodo representado pelas “bases gringas” requer mais do que Chávez invocando “ventos de guerra” e “planos de invasão” (à Venezuela). Encaminhar o conflito a uma solução — e, por definição, ela sempre passará por algum entendimento político — é a única maneira de tornar realmente dispensável para a Colômbia a cooperação militar com os EUA. Basta lembrar que, sem os bilhões de dólares investidos e os nove anos de reequipamento e capacitação das Forças Militares colombianas, Uribe não teria conseguido aquilo que é hoje seu maior trunfo para bancar o projeto do terceiro mandato, em 2010: agora, é o Estado quem está na ofensiva, enquanto as Farc tratam de se recompor e reformular a estratégia.

“Das montanhas…”

É contra esse pano de fundo que vale a pena ler com atenção a entrevista que a revista Cambio publica nesta semana com o comandante máximo das Farc, Alfonso Cano. Habitualmente arredio, é a primeira vez que ele fala à imprensa colombiana depois de um ano e meio como sucessor do lendário Manuel Marulanda, o Tirofijo. Também tem trocado telefonemas com Cano a hierarquia católica. Os gestos realçam uma palavra-chave que voltou ao vocabulário da guerrilha: trégua. Ela foi mencionada, dias atrás, em carta-aberta dirigida pelo alto comando das Farc à oposição desarmada. O texto é datado, como sempre, “das montanhas da Colômbia”, de onde Cano, um comunista à antiga, com formação acadêmica e instinto político aguçado, parece tentar romper o isolamento em que a guerrilha se afundou desde que foi a pique o processo de paz, como avaliam importantes setores da esquerda civil.

Na entrevista, Cano não deixa passar a chance de comentar as “novas condições da diplomacia no século 21”, nem a “nova atitude dos EUA para com a América Latina, refletida em Honduras e nos anunciados acordos com Álvaro Uribe”. Apresenta a cessão das bases como prova de que a guerra não está no “fim do fim”, como define a cúpula militar: “Se a situação das Farc fosse de crise, o presidente não teria convidado os gringos a escalar sua invasão”. Nesse contexto, sinaliza a disposição de voltar ao diálogo com quem se disponha, e relança a opção negociada não apenas para os contendores de Uribe, com vistas à eleição do ano que vem, mas também para os vizinhos interessados em neutralizar um foco endêmico de ilegalidade e violência.

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