Para vender caça, França terá de reduzir custo

Governo brasileiro também quer garantir exclusividade nas vendas do Rafale para a América Latina

Sergio Leo, de Brasília - Valor

A França terá de reduzir substancialmente o custo dos caças Rafale, e conceder ao Brasil exclusividade nas vendas do jato na América Latina, para que seja concretizada a anunciada compra dos aviões pela Força Aérea Brasileira (FAB). Esses foram alguns dos pontos acertados pelos governos brasileiro e francês, em reunião com a presença do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e do comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, em um hotel de Brasília, na madrugada de domingo. A discussão foi decisiva para que os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Nicolas Sarkozy, abrissem oficialmente, no dia seguinte, a negociação para compra dos caças.

Sarkozy firmou uma carta, cujo conteúdo é mantido em sigilo, para oficializar a disposição francesa na negociação. Ao encontrar-se para jantar com o francês, na noite de domingo, Lula informou a ele que a avaliação preliminar da FAB sobre a escolha do futuro caça havia apontado o fator custo - de compra e de operação - como um ponto muito desfavorável aos franceses na disputa com os fornecedores suecos (da Saab) e americanos (da Boeing). Os franceses garantiram que os pontos negativos apontados pela FAB são negociáveis, e o governo brasileiro resolveu oficializar a preferência pelo jato Rafale, da Dassault.

"Está tudo em aberto", resumiu o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ontem, segundo relato de parlamentares, ao apresentar a líderes partidários na Câmara o Plano Nacional de Defesa. Na prática, porém, os dois governos avançaram, durante o fim de semana, em pontos essenciais da negociação, com a concordância francesa em buscar uma aproximação com as demandas brasileiras em relação ao custo, transferência de tecnologia e outras questões ligadas à compra dos Rafale. Até um mecanismo para compensar a valorização do euro em relação ao dólar deve ser tratado na negociação.

Entre as demandas está a intenção brasileira de fazer com os Rafale algo semelhante ao negociado com os japoneses na adoção do padrão de TV digital: o Brasil participaria do desenvolvimento tecnológico, com possibilidade de negociar sua adoção nos países da América do Sul. No caso da TV digital, Argentina, Peru, Venezuela e Colômbia decidiram adotar o padrão nipo-brasileiro. No caso do Plano Nacional de Defesa, o objetivo é montar redes de indústrias na região ligadas às cadeias de produção do material bélico.

Segundo a discussão prévia, na noite de domingo para segunda-feira, a França também negociará a compra - a cooperação tecnológica para fabricação - de dez aviões cargueiros fabricados pela Embraer (o KC-390, ainda em projeto), em substituição aos antigos Hércules. A Embraer conta com essa aquisição como uma vitrine para colocar a aeronave no mercado mundial. No pacote discutido pelo governo brasileiro para dar preferência ao Rafale consta, ainda a oferta francesa de transferência de tecnologia "sem precedentes", nas palavras do próprio Sarkozy, que permitirá o uso, nos novos jatos, de armas desenvolvidas no Brasil ou compradas à parte.

Os prazos de pagamento serão negociados para evitar forte concentração antes do recebimento do primeiro avião (2013) e a França promete condições preferenciais de crédito. A equipe de negociação designada por Lula promete fazer "muita pressão" para garantir que sejam levados em conta também os custos de operação e manutenção, que têm potencial de transformar em mau negócio mesmo o que pudesse ser considerada pechincha na hora da compra.

Tecnicamente, as ofertas de vendas dos aviões feitas pela França, Estados Unidos e Suécia têm características distintas que tornam a comparação entre elas uma escolha entre "bananas, laranjas e pêras", na definição de um membro do governo. O Gripen sueco tem como inconveniente o fato de ter apenas um reator (os outros têm dois) e ser um avião "virtual", ainda não fabricado. Mas tanto ele quanto  o F/A-18, da Boeing, são criticados no governo por incluírem tecnologia sensível, que pode ter sua transferência ou aperfeiçoamento no Brasil vetados pelo Congresso dos Estados Unidos.

Conhecedores das Forças Armadas comentam que a disputa pelo fornecimento à FAB reacendeu uma velha disputa na Força Aérea, entre pilotos e engenheiros - estes últimos mais favoráveis aos suecos, com os quais viam maior possibilidade de participar no desenvolvimento técnico dos aviões.

Pesou, porém, a decisão civil de dar preferência a um fornecedor que, além de garantir qualidade técnica, oferecesse maiores condições para transferência tecnológica e permitisse negociações para integração do Plano de Defesa Nacional ao projeto de integração industrial com os países vizinhos.

A compra prevista é de 36 aviões, a serem entregues entre 2013 e 2017, mas o Brasil acena com a possibilidade de homogeneizar a esquadrilha da FAB, o que criaria demanda para mais 52 aviões na década seguinte, garantindo escala de produção e permitindo cortes adicionais de custos.

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