Crítica expõe mal-estar militar na Venezuela


Analistas dizem que reclamação pública sobre influência cubana por general da reserva pode ser foco de tensão no futuro

Governo não rebate críticas, mas site ligado ao chavismo tece loas ao auxílio de Cuba e diz que militar reformado promove "show midiático"

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS - Folha de SP

A crítica do general da reserva Antonio Rivero à presença cubana nas Forças Armadas da Venezuela deve ser motor de um debate sobre as mudanças na doutrina militar, o que pode gerar tensão no futuro, dizem analistas ouvidos pela Folha.

Rivero, que passou à reserva no começo do mês, afirmou anteontem, em mais de uma entrevista, que militares cubanos participam de atividades de planejamento, treinamento e inteligência e não descartou que sua crítica ao tema seja compartilhada por colegas ainda na ativa. Ele criticou ainda a formação da Milícia Nacional Bolivariana - que treina civis e é o quarto componente das Forças Armadase a "politização" do corpo militar.

O general foi, até 2008, diretor de Proteção Civil, equivalente à Defesa Civil no Brasil, e até o começo deste ano era chefe do Estado-Maior da 5ª Divisão de Infantaria de Selva.

"A declaração dele, que é um homem que tinha proeminência pública, é a expressão de um certo mal-estar que deve haver nas Forças Armadas. Todos temos amigos militares. O que ele disse outros falam", diz o jornalista e sociólogo opositor Teodoro Petkoff sobre a suposta ingerência cubana.

Ele e Luis Alberto Buttó, professor da Universidade Simón Bolívar, ressalvam ser difícil avaliar a reverberação interna da crítica de Rivero.

A controvérsia sobre a influência cubana no governo Chávez povoa o noticiário venezuelano, predominantemente de aberta oposição a Chávez. 

No começo do ano, reportagens apontaram o elo cubano como motivo para a renúncia do então vice-presidente Ramón Carrizález e de outros três integrantes do gabinete. Uma fonte próxima ao governador do Estado de Lara, Henri Falcón, recentemente rompido com o chavismo, afirmou à Folha que ele foi procurado por um grupo de militares no fim de março para tratar do tema.

O governo Chávez não comentou as declarações do general. No site ligado ao chavismo www.aporrea.org, um texto afirma que, ao reclamar "da preciosa ajuda que a inteligência militar cubana presta ao Exército venezuelano", o general quer armar um show midiático para lançar-se às eleições legislativas de setembro - Rivero não descarta concorrer. 

Para o professor Buttó, o que está em jogo são as mudanças no corpo militar venezuelano desde 1999, quando a Constituição retirou o termo "apolítico" da definição das Forças Armadas. Diz que, portanto, não é inconstitucional que os militares se expressem politicamente, como requerido por Chávez, mas que isso pode trazer tensões no futuro. "A identificação deveria ser com a nação."

Como Rivero, ele critica o fato de que, por meio da Lei Orgânica das Forças Armadas aprovada em 2009, Chávez tenha agora uma patente militar. "Pela Constituição, ele é o Comandante em Chefe das Forças Armadas. Ao ganhar cargo operativo militar, parte da hierarquia, exclui-se a supremacia civil sobre os militares."

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem