Déficit e dívida limitam as opções dos EUA na intervenção na Líbia

Gerald F. Seib | The Wall Street Journal - Valor

Bem-vindo à primeira crise internacional da nova era de austeridade dos Estados Unidos. Como você pode ter notado, o clima no país tem sido um pouco diferente.


A atitude distinta que o governo americano adotou em relação à intervenção militar na Líbia - com Washington preferindo agir menos, sem uma postura de liderança e estabelecendo metas distintas e limitadas - é atribuída em grande parte à visão de mundo do presidente dos EUA, Barack Obama. E isto está correto.

Mas outra realidade, mais profunda, também ajudou a dar forma à estratégia americana: a Líbia é a primeira resposta militar a uma crise na qual pode-se ver as consequências de um país com os recursos militares esticados ao extremo e com pouco dinheiro.

Há 50 anos, o presidente John F. Kennedy disse que os EUA poderiam carregar qualquer peso, e pagar qualquer preço, para defender a liberdade. Agora, Um país profundamente endividado e sangrando dinheiro em outros conflitos internacionais parece estar dizendo que irá carregar só parte do peso, e pagar parte do preço.

Para aqueles que se perguntam se a postura dos EUA no mundo seria afetada pelos crescentes custos das guerras no Afeganistão e no Iraque, combinados com os da crise financeira em 2008 e os déficits de trilhões de dólares resultantes dela - bem, parece que temos a resposta. Veja as opiniões de algumas vozes de peso em Washington sobre a ofensiva contra a Líbia:

"A Liga Árabe deve ser consultada para pagar por essa guerra", afirmou o senador do Partido Republicano Richard Lugar a repórteres, pouco antes do início do conflito. Ele também destacou: "Estamos discutindo aqui no plenário [do Senado] quase exclusivamente o orçamento, o déficit."

O senador Bob Casey, do Partido Democrata, disse sobre a Liga Árabe: "Adoraria que eles nos ajudassem a pagar por isso - que todos paguem pela guerra - porque temos muito pouca receita aqui."

Outro democrata, o senador Jack Reed, disse que o apoio internacional para a operação foi crucial tanto militar como financeiramente, "particularmente neste momento crítico em que estamos sofrendo com um déficit".

Mesmo aqueles que pressionaram por uma ação militar elogiaram a decisão de Obama de adotar um papel limitado para os EUA. O deputado republicano Mike Rogers, líder da Comissão de Inteligência da Câmara, afirmou num comunicado depois de um encontro com o presidente americano: "Estou satisfeito em saber que o plano do presidente coloca os EUA num papel de apoio e que nenhuma tropa americana será enviada."

Tudo isso está bem distante do clima em Washington quando o governo entrou em guerra contra o Afeganistão e o Iraque. Os que estavam a favor dos conflitos alegavam que dinheiro não deveria ser um empecilho quando o assunto era garantir a segurança nacional, e os opositores baseavam os argumentos mais nos benefícios dos conflitos do que nos custos.

É verdade que, no começo dos anos 90, antes da primeira guerra no Golfo Pérsico, que expulsou as tropas iraquianas do Kuait, o então secretário de Estado americano James Baker visitou capitais de países aliados atrás de contribuições para ajudar com os custos da operação militar. Foi uma jornada que os repórteres apelidaram de turnê do chapéu. Mas, naquele caso, não havia dúvidas de que, apesar da ajuda financeira internacional ser bem-vinda, o dinheiro não era crucial para a decisão de atacar.

E, naquela época, o déficit do orçamento era de 4,5% do PIB. Hoje, o déficit está em 10,9% do PIB; em outras palavras, o déficit atual é mais do que o dobro do registrado na época. Ao mesmo tempo, o gasto anual dos EUA com defesa, graças em grande parte ao Iraque e ao Afeganistão, cresceu 150% na última década.

Como isso sugere, ações militares são realmente caras, mesmo em formas limitadas. Com o disparo de mais de 110 mísseis de cruzeiro no início do ataque contra as defesas aéreas da Líbia, as forças americanas e britânicas no Mediterrâneo "torraram" cerca de US$ 100 milhões em equipamentos em apenas algumas horas.

Num momento em que os dois partidos americanos flertam com a possibilidade de paralisar o governo com uma série de propostas dos republicanos para cortes no orçamento, muitas na mesma faixa de custo dos mísseis disparados, até uma despesa desse porte tem um profundo significado político.

A meta da maioria dos líderes tanto democratas como republicanos nesta fase é reduzir gastos com defesa, e não aumentá-los.

A grande questão é se isso representa uma reação temporária a pressões de orçamento ou se é o começo de um período em que os EUA se voltam mais para si mesmos, devido à fadiga de guerra e ao estresse financeiro.

Quando o "Wall Street Journal" e a NBC News pediram, há três semanas, que os americanos listassem os assuntos mais importantes para o governo, 37% disseram emprego e economia e só 1% mencionou a instabilidade política na Líbia, Egito e outros países árabes.

Os americanos certamente se voltaram para assuntos internos depois da Grande Depressão, há 80 anos, a última crise econômica comparável à recente recessão. Aquele período não deu muito certo, resultando na Segunda Guerra Mundial e mostrando apenas que existem riscos em deixar o nível de conflito global pender demais para qualquer direção.

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