Zona de exclusão aérea para a Líbia

John F. Kerry é senador nos Estados Unidos pelo Estado de Massachusetts e é presidente da comissão de Relações Exteriores do Senado. Copyright: Project Syndicate, 2011.

Valor
 
Líderes por todo o mundo debatem vigorosamente a conveniência de estabelecer uma zona de exclusão aérea para acabar com a violência que se desenrola na Líbia. Alguns citam como motivo para agir o caso da Bósnia, onde a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) levou demasiado tempo para proteger a população civil em meados dos anos 90. Outros recordam do caso de Ruanda, sobre o qual o então presidente americano Bill Clinton, tempos depois, expressou arrependimento por não ter agido para salvar vidas inocentes. O que está em jogo atualmente na Líbia, no entanto, é mostrado mais apropriadamente pela tragédia no sul do Iraque nos últimos dias da Guerra do Golfo Pérsico há 20 anos.

 
Enquanto as forças da coalizão afugentavam o exército iraquiano em fevereiro de 1991, o então presidente George H. W. Bush encorajava o povo iraquiano a "resolver as coisas por conta própria para obrigar o ditador Saddam Hussein a renunciar". Quando os xiitas, árabes dos pântanos e curdos iraquianos se rebelaram contra Hussein, acreditavam que as forças americanas os protegeriam contra o poder de fogo superior do brutal ditador.

 
Em vez disso, quando helicópteros de ataque e tropas de elite iraquianas começaram a trucidar seu próprio povo, as forças da coalizão ordenaram a retirada. O mundo testemunhou o massacre de milhares de iraquianos.

 
A situação na Líbia não é idêntica. Inspirado pelos eventos na Tunísia e Egito, o povo líbio levantou-se espontaneamente contra quatro décadas de repressão do coronel Muamar Gadafi. Ainda assim, o espectro que me assombra é o mesmo - pessoas comuns confrontando-se contra soldados bem armados e o poder aéreo de um autocrata - depois de termos alimentado sua bravura com nossas palavras e aplausos - e contando com o mundo livre para protegê-los de um massacre.

 
Até agora, as forças de Gadafi recorreram ao poder aéreo de forma seletiva. Gadafi é perspicaz. Meu medo é que ele esteja optando por derrubar a oposição sangrando-a aos poucos, em vez de promover um massacre total que convide a uma reação global, ou que esteja esperando o mundo mostrar sua pouca disposição para agir - momento no qual ele poderia muito bem começar a matar civis em grandes números.

 
Não podemos ficar esperando que isso aconteça. Precisamos tomar medidas concretas agora, para que estejamos preparados para colocar em vigor de imediato uma zona de exclusão aérea, se Gadafi começar a usar seu poder aéreo para matar grandes números de civis. A diplomacia é uma necessidade premente para criar amplo apoio a essa área de exclusão.

 
O imprimátur mais importante deveria vir da Organização das Nações Unidas (ONU), que deveria iniciar de imediato os debates sobre uma resolução para autorizar a zona de exclusão aérea. China e Rússia expressaram reservas. Se o Conselho de Segurança da ONU não autorizar a ação e houver uma escalada na violência, os que estamos determinados a proteger civis líbios nos depararemos com uma escolha difícil.

 
Nossos esforços diplomáticos, portanto, devem estender-se além da ONU. O apoio da Otan e da União Africana é importante. Para evitar a sensação de que a Otan ou os Estados Unidos estão atacando outro país muçulmano, o apoio do mundo árabe também é necessário.

 
Nessa frente, há sinais promissores. Os seis países árabes do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico defenderam a imposição de uma área de exclusão aérea. A Liga Árabe apoiou proposta similar. Os países muçulmanos, em particular, deveriam apoiar os preparativos para uma intervenção caso a violência ficar fora do controle.

 
Não se pode permitir a Gadafi pensar que pode massacrar seu povo impunemente. E ele não pode ter liberdade para tornar os ataques ainda mais letais, por meio do uso do poder aéreo. Se a ONU não aprovar uma resolução para impor a zona de exclusão, então, os Estados Unidos e seus aliados na Otan e no mundo árabe precisam estar preparados para evitar um massacre como o acontecido em Srebrenica em 1995, quando mais de 8 mil homens e garotos bósnios foram assassinados.

 
É claro, impor uma área de exclusão aérea não seria uma panaceia. Provavelmente, não inclinaria a balança, caso a situação na Líbia se deteriorasse e caísse em uma guerra civil em escala total. Mas a zona de exclusão eliminaria os ataques aéreos e salvaria vidas civis. É uma ferramenta que devemos estar prontos para usar, se a situação o justificar. Também daria um sinal à oposição de que não está sozinha.

 
Antes de tomar a decisão, a comunidade internacional precisa proporcionar assistência humanitária e provisões médicas para os rebeldes no leste da Líbia. Não podemos permitir que se vejam forçados a se render pela fome.

 
A única opção que não deve ser apresentada é a de soldados dos EUA em terra; ninguém quer ver as forças dos EUA afundadas em outra guerra, especialmente, em outro país muçulmano. E, como disse o presidente Barack Obama, o povo líbio não pode ser privado do controle total de sua luta pela liberdade e não se deve dar a Gadafi um bode expiatório.

 
A mera ameaça de uma zona de exclusão aérea, talvez impeça que os pilotos de Gadafi usem seus helicópteros e caças para matar seu próprio povo. Se não o fizer, devemos deixar claro que lideraremos o mundo livre para evitar a matança irracional de mais cidadãos líbios por um homem insano empenhado em manter o poder. Os EUA e a comunidade mundial também deveriam deixar claro - como o fizemos na Bósnia e Kosovo - que estamos unidos contra um criminoso que está matando muçulmanos.

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