Apoio das Forças Armadas ao chavismo desagrada a oposição

Respaldo liderado por ministro da Defesa é inconstitucional e ameaça estabilidade

Janaína Figueiredo - O Globo

Correspondente

BUENOS AIRES - Uma sucessão de fatos ocorridos nos últimos dias instalou na Venezuela uma pergunta que não quer calar: as Forças Armadas estão hoje a serviço do Estado e de toda a população ou se transformaram em peça-chave do processo revolucionário liderado por Hugo Chávez? Além de gestos e ações que indicam uma fina sintonia entre a cúpula militar e o Palácio de Miraflores, recentes declarações do ministro da Defesa, Diego Molero Bellavia - designado por Chávez no ano passado -, acenderam um alerta na oposição, que se prepara para uma nova disputa eleitoral com o chavismo.


Poucas horas depois da morte do presidente, Molero, até o final de 2012 um desconhecido para a maioria dos venezuelanos, assegurou que as Forças Armadas cumprirão "a vontade do comandante Chávez" de apoiar a eleição de Nicolás Maduro. E deixou claro que a instituição é "revolucionária, anti-imperialista, socialista e chavista". 


Um detalhe: as Forças Armadas são encarregadas, entre outras funções, de garantir a normalidade e o respeito às normas internas do país em eleições. Nas votações presidenciais de outubro do ano passado, esta tarefa contou, ainda, com a colaboração das milícias bolivarianas (integradas por civis), criadas após a reforma da Lei Orgânica das Forças Armadas no governo chavista. 


A atitude de Molero, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO, representa um risco para a estabilidade democrática do país, em um momento de profunda incerteza política. 


- A Constituição é clara, as Forças Armadas devem ser imparciais - diz Luis Alberto Buttó, professor da Universidade Simón Bolívar. 


De fato, o artigo 328 estabelece que "as Forças Armadas constituem uma instituição essencialmente profissional, sem militância política, organizada pelo Estado para garantir a independência e a soberania da nação".


Com a Carta Magna na mão, o secretário-executivo da Mesa de Unidade Democrática (MUD), Ramón Guillermo Aveledo, considerou inadmissível a atitude do ministro. Para a MUD, que já trabalha na nova candidatura presidencial do governador de Miranda, Henrique Capriles, a cúpula militar está
violando normas constitucionais. 


- Quando a Venezuela inteira quer unidade, paz e um clima de respeito, contrastam, por inaceitáveis, as declarações do Ministro da Defesa, que são falsas e inconstitucionais - assegurou Aveledo. 


A polêmica atuação de Molero - que inclui saudações revolucionárias ao povo - não é um dado isolado. Esta semana, ficou claro até onde chega a aliança entre o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e os chefes militares do país. No mesmo dia em que foi anunciada a morte de Chávez, Maduro comandou um encontro da Direção Política e Militar da Revolução, do qual participou o ministro da Defesa. Horas depois, Chávez faleceu e seu corpo foi trasladado do Hospital Militar à Capela Ardente da Academia Militar de Forte Tiuna, o gigantesco quartel de Caracas. 


Segundo revelaram várias pessoas que viram o caixão, o líder bolivariano veste um traje militar verde oliva, sua tradicional boina vermelha e a faixa presidencial. Ontem, Maduro informou que o corpo será levado para o chamado Quartel da Montanha, em Caracas, onde Chávez organizou o levante de 1992, sua primeira grande ação como militar rebelde, na época contra o governo de Carlos Andrés Pérez.

Governo SEM CHÁVEZ fica mais militarizado

O perfil militarista do governo venezuelano, agora sem Chávez, é cada vez mais evidente. Molero admitiu que o líder "semeou uma ideologia nas Forças Armadas que os militares levam na alma e, por isso, estão dispostos a lutar para cumprir esses preceitos". O compromisso é, também, com o último desejo expressado publicamente pelo presidente, em meados de dezembro passado: a eleição de Maduro, o escolhido por ele para ser seu sucessor. 


- A cúpula militar declarou-se chavista, mas o que pensam os militares que estão na base da pirâmide? - indaga o professor de História venezuelana Hernán Castillo, também da Universidade Simón Bolívar. 


Segundo ele, as Forças Armadas, assim como o país, estão polarizadas. Mas Castillo não imagina uma rebelião no curto prazo, "a menos que a crise econômica se aprofunde e a crise política se torne insustentável". Para ele, "já existe um clima de mal-estar entre setores militares que não concordam com a extrema politização da força defendida publicamente por Molero".


- Os altos comandos estão a serviço do projeto político chavista, o que é vergonhoso e inconstitucional - enfatiza o professor venezuelano.


Castillo e Buttó não arriscam dizer o que aconteceria num hipotético e pouco provável cenário de vitória eleitoral da oposição nas próximas eleições presidenciais. Mas concordam que a declarada parcialidade das Forças Armadas é perigosa. 


Até esta semana, a figura de Molero não tinha grande relevância no país. O ministro foi indicado por Chávez por telefone, em 29 de outubro do ano passado, pouco depois de sua última vitória eleitoral.


Durante uma reunião da diretoria do PSUV no estado de Mérida, o presidente telefonou para o celular de Maduro e anunciou sua decisão. 


Chávez, agora chamado de "o segundo libertador da Venezuela" (o primeiro é Bolívar) pelo ministro da Defesa, fazia tratamento de saúde e não participou do encontro. O PSUV se encontrava em plena campanha para as eleições regionais de dezembro do ano passado, e Chávez, depois de ter feito um grande esforço para participar das votações presidenciais, estava cada vez mais ausente. 


Nesse cenário, surgiu o novo ministro. De acordo com a jornalista Gloria Bastidas, a firmeza de Molero em suas declarações parece mais oportunista do que ideológica. 

- Muitos temos a sensação de que o principal objetivo do ministro é ser ratificado no cargo por Maduro - comenta Gloria.


Nas últimas semanas, disse ela, surgiram rumores sobre divergências entre Molero e o agora homem forte do chavismo. Paralelamente, outras informações indicaram uma proximidade cada vez maior entre o ministro e o presidente da Assembleia Nacional (AN), Diosdado Cabello, um militar reformado que participou das rebeliões militares de 1992 com Chávez. Tudo isso em meio a versões, cada vez mais intensas, sobre disputas entre Maduro e Cabello pela liderança do processo revolucionário. 


- Molero é um militar bastante medíocre, parece estar querendo apenas conservar o mínimo espaço de poder que conseguiu conquistar no final da vida de Chávez - opina a jornalista. 


Desde que foi confirmada a morte do presidente, o ministro comportou-se como um dirigente do PSUV, adotando um discurso político e de defesa quase religiosa do legado do presidente. Ontem, Molero pediu paciência às milhares de pessoas que aguardavam horas na fila para ver o caixão do presidente:


- Isso demonstra que o caminho que Chávez semeou não foi em vão, porque ele semeou milhões de corações que estão unidos e fortalecidos para lutar pela revolução.

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