Plano de armas dos EUA não terá impacto rápido para rebeldes da Síria

MARK MAZZETTI
ERIC SCHMITT
ERIN BLANCO
DO "NEW YORK TIMES" 

Um mês atrás, funcionários do governo Obama prometeram entregar armas e munições aos rebeldes da Síria na esperança de virar a maré de uma guerra que não vem apresentando resultados favoráveis para a oposição em crise.

Mas entrevistas com funcionários do governo nos Estados Unidos, Ocidente e Oriente Médio mostram que os planos de Washington são muito mais limitados do que as autoridades norte-americanas indicaram anteriormente, tanto em público quanto em foro privado.

De fato, disseram os funcionários, os planos do governo para usar a Agência Central de Inteligência (CIA) a fim de treinar e armar os rebeldes clandestinamente pode demorar meses para exercer impacto sobre um campo de batalha caótico. Muitos funcionários acreditam que é improvável que a assistência dê à rebelião força suficiente para forçar o ditador sírio Bashar al Assad a aceitar negociações.

Os planos determinam que a CIA fornecerá apenas armas portáteis, e apenas a um segmento limitado da oposição - os números envolvidos não estão claros. Além disso, boa parte do treinamento, que deve durar meses e será realizado no território da Turquia e da Jordânia, ainda não começou, em parte devido a objeções do Congresso norte-americano.

Mohamed Abdullah/Reuters
Garoto sírio senta em meio a destroços de rua na região de Harasta, em Damasco
Garoto sírio senta em meio a destroços de rua na região de Harasta, em Damasco

AMBIVALÊNCIA

A abordagem cautelosa reflete a ambivalência continuada e as divisões internas de um governo que continua a ter pouco apetite por intervenção na Síria mas se viu forçado a agir depois que agências de espionagem europeias e norte-americanas concluíram que forças do governo sírio usaram armas químicas contra os rebeldes. O presidente Barack Obama havia declarado que o uso de armas químicas seria visto como uma "linha vermelha" que deflagraria ações norte-americanas.

Muitos integrantes do governo norte-americano continuam a tentar garantir que sejam tomadas todas as precauções possíveis para impedir que as armas caiam nas mãos dos extremistas islâmicos na Síria. Para eles, o plano ecoa passados esforços dos Estados Unidos para armar rebeldes em Angola, Nicarágua e outras regiões, muitos dos quais resultaram em fracasso. A Casa Branca, além disso, teme que Obama se veja arrastado a ainda outra guerra no Oriente Médio.

"Em minhas reuniões com as autoridades norte-americanas, muitas vezes detecto uma conversa entre fantasmas", disse Michael Oren, o embaixador israelense em Washington, falando do debate. "Os fantasmas do Afeganistão disputam espaço com os fantasmas de Ruanda e de Kosovo".

O plano - tornado possível depois que Obama assinou um "parecer" secreto que contorna as leis internacionais que proíbem apoio letal a grupos envolvidos em esforços para derrubar um governo estabelecido - continua a ser recebido com ceticismo por ambos os partidos, no Congresso.

Funcionários da Casa Branca fizeram poucas declarações públicas sobre o apoio militar expandido aos rebeldes. Não foi o presidente, mas sim Benjamin Rhodes, assessor assistente de segurança nacional para comunicações estratégicas, que anunciou a mudança de política, em entrevista coletiva telefônica em 13 de junho, quando ele disse que a abordagem "tinha por objetivo reforçar tanto a coesão da oposição quanto a efetividade" dos rebeldes".

"ARMADORES"

Depois do anúncio, um importante funcionário árabe disse que os Estados Unidos funcionariam como "armadores" - coordenando não só os embarques de armas norte-americanos como as entregas expandidas de outros aliados, e provavelmente fornecendo informações a grupos oposicionistas sobre os movimentos das forças do governo sírio. Por quase dois anos, uma coalizão não muito integrada de países muçulmanos, entre os quais Arábia Saudita, Catar, Turquia e os Emirados Árabes Unidos, vem fornecendo armas aos rebeldes. Os países que a formam estavam ansiosos para que os Estados Unidos assumissem um papel direto no fornecimento de armas aos rebeldes.

Mas ainda que autoridades norte-americanas professem confiança em sua capacidade de armar um segmento da oposição sem aumentar o poder dos combatentes de grupos rebeldes como o Jabhat al-Nusra, que o governo norte-americano define como organização terrorista, eles têm uma tarefa complicada pela frente, a de impedir que as armas cheguem às mãos de extremistas. Também reconhecem um problema imediato, porque estarão tentando apoiar uma parte da oposição enquanto um aliado dos Estados Unidos, o Qatar, é suspeito de fornecer armas a grupos islâmicos mais linha dura na Síria, a despeito de garantias em contrário da parte das autoridades do emirado.

"Um dos maiores impedimentos vem sendo a coesão e organização deficientes das forças de oposição, se comparadas às das forças de Assad", diz o senador Jack Reed, democrata de Rhode Island e líder da bancada de seu partido no Comitê das Forças Armadas, em entrevista.

Por exemplo, o grupo selecionado pelas autoridades norte-americanas para receber as armas norte-americanas, o Exército Livre da Síria, na verdade é uma frente composta por centenas de batalhões espalhados pelo país.

Muitos desses batalhões não estão sob comando direto do general Salim Idris, comandante que o governo norte-americano identificou como seu principal interlocutor na oposição. Alguns desses batalhões só recebem ordens de Idris depois que elas se difundem gradualmente por uma bizantina hierarquia de comando.

Não está claro quando as armas fornecidas pela CIA chegarão à Síria. Alguns meses atrás, o governo norte-americano havia prometido assistência "não letal" às forças de Idris, e essa assistência demorou meses a chegar por inteiro.

ASSISTÊNCIA

O secretário de Estado John Kerry anunciou inicialmente a assistência - consistindo de kits de medicamentos e refeições instantâneas - durante uma conferência em Roma no final de fevereiro. Mas boa parte da comida, obtida dos estoques do Pentágono e transportada por via aérea do Kuwait, não chegou antes de junho. Até esta semana, 253 mil refeições foram fornecidas.

Em uma entrevista coletiva em abril, Kerry disse que a assistência não letal aos rebeldes incluiria também coletes à prova de balas e sistemas de visão noturna, mas posteriormente outras fontes do governo afirmaram que o próximo lote de equipamentos incluiria caminhões, empilhadeiras e instrumentos de comunicação como rádios e laptops.

As autoridades norte-americanas informaram que a assistência a ser coordenada com a CIA inclui armas portáteis, entre as quais fuzis de assalto AK-47, armas antitanque e munições. Por enquanto, as autoridades norte-americanas descartaram fornecer armas antiaéreas aos rebeldes por medo de que cheguem às mãos de terroristas, que poderiam usá-las para abater aviões comerciais.

Mas o funcionário árabe cotado acima disse que, a despeito das preocupações norte-americanas, os aliados árabes desenvolveriam um plano para entregar armas antiaéreas aos rebeldes. Ele acautelou que demoraria algum tempo, talvez até seis meses, para que qualquer influxo de armas norte-americanas se traduza em sucessos no campo de batalha para os rebeldes.

Tradução de Paulo Migliacci - Folha de SP



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