A impossível ajuda militar ao Afeganistão

“Ficámos admirados com as divisões iraquianas terem simplesmente largado as armas”, foi a reação do secretário de Estado da Defesa dos EUA Chuck Hagel ao comportamento do exército iraquiano.


Vadim Fersovich | Voz da Rússia

Os militares norte-americanos ficaram muito menos admirados. O tenente-general Robert Caslen, que até maio do ano passado era o responsável pelo treinamento dos militares iraquianos, declarou abertamente numa entrevista ao Wall Street Journal:

“Quando saímos, todas as instituições que criámos para profissionalizar as forças de segurança iraquianas saíram conosco… Os militares norte-americanos construíram centros de treinamento e paióis com a tecnologia militar mais moderna, mas depois da saída das tropas norte-americanas o exército iraquiano quase não usou nada disso.”

Estes foram os resultados dos dez anos e 25 bilhões de dólares que os EUA gastaram com o rearmamento e formação das forças de segurança do Iraque.

Para se justificarem, os oficiais iraquianos dizem que as tropas estadunidenses saíram “antes de a cultura militar moderna ter podido influenciar as estruturas de segurança empedernidas iraquianas”. Será que os militares afegãos irão dizer algo semelhante depois da saída das tropas e conselheiros da coalizão ocidental?

Já dizem. Neste país estão se repetindo todos os erros iraquianos. Além dos males tradicionais dos exércitos orientais - o compadrio, a corrupção, a baixa formação técnica e geral - aqui, como no Iraque, também existem os perigos associados à dependência das estruturas de segurança recém-criadas dos caprichos das fontes externas de manutenção e financiamento. O exército afegão sempre teve apoio externo, mas neste momento essa proteção é realmente exagerada. Mas também se verificou que ela não é de confiança.

Os mesmos EUA já avisaram o governo afegão que dentro de uns dois anos iriam reduzir consideravelmente o financiamento da ajuda militar. Isso numa situação em que, de acordo com as previsões dos militares norte-americanos, nos próximos anos o governo afegão só estará em condições de financiar cerca de 12% de seus gastos militares. Simultaneamente, o Pentágono e a OTAN continuam insistindo que, a partir de 2024, o Afeganistão irá financiar totalmente suas despesas com o exército no valor de 4,1 bilhões de dólares.

Será realista que o Afeganistão gaste com a defesa o mesmo que gasta atualmente o Egito, por exemplo? Steve Sternlieb, do centro de investigação norte-americano Sternlieb Group, escreve sobre esse aspecto o seguinte:

“Apenas a OTAN acredita que o governo afegão poderá financiar completamente suas forças de segurança em 2024.”

Realmente, o orçamento total do Afeganistão para o exercício de 2014 é de 7,5 bilhões de dólares, tendo o país receitas internas de 2,4 bilhões. Além disso, na expectativa de uma saída do país das tropas ocidentais, os indicadores de receitas internas diminuem permanentemente.

Como resultado, depois do início do processo de transferência pelos aliados ocidentais das instalações de infraestruturas militares ao exército e à polícia nacionais, se verificou que o Afeganistão simplesmente não possui a capacidade não só para as proteger, mas até de as manter. Assim, muitas instalações, depois da sua entrega aos militares afegãos, foram simplesmente abandonadas e as áreas envolventes regressaram ao controle dos talibãs.

Outro problema são os armamentos e equipamentos modernos. A política de “rearmamento total”, passando de modelos simples, testados ao longo do tempo, para modelos tecnicamente complexos poderá ter sido útil para os fabricantes ocidentais, mas não para os militares afegãos. A nova tecnologia exige não só especialistas altamente qualificados, mas também infraestruturas, estoque de peças de reposição, etc. E gastos impossíveis. Durante mais algum tempo tudo isso será ainda pago pelos aliados ocidentais, mas com a planejada redução da ajuda externa uma parte considerável da tecnologia militar, tal como no Iraque, irá se transformar em montanhas de sucata.

Não se pode afirmar que o Ocidente combate, e ensina o exército afegão a combater, desconhecendo as reais capacidades de Cabul para manter sozinho suas forças de segurança e equipamento militar. De acordo com o presidente dos EUA, “os americanos aprenderam que é mais difícil acabar as guerras que iniciá-las”. Agora o Ocidente terá também de reconhecer que, depois de iniciadas as guerras, é impossível parar de financiá-las.



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