Reconquista de Raqqa. EUA tentam convencer Turquia a apoiar operação liderada pelos curdos

Forças de Defesa sírias anunciam início da operação para derrotar o Daesh no seu principal bastião em território sírio. Para os EUA, a aliança de combatentes curdos e árabes é a força mais eficaz a atuar no norte da Síria, mas Turquia considera-a um ramo do ilegalizado Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) 


Joana Azevedo Viana | Expresso


O general Joseph Dunford, que lidera os chefes de estado-maior das forças armadas norte-americanas, encontrou-se este domingo com o seu homólogo turco Hulusi Akar, em Ancara, para tentar obter o apoio do governo de Recep Tayyip Erdogan para uma operação militar que tem como objetivo a reconquista de Raqqa, a capital de facto do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) na Síria. 


Alice Martins / AFP / Getty Images

No domingo, as Forças Democráticas da Síria (FDS), uma aliança que integra turcomenos, árabes e que é liderada pelas Unidades de Proteção do Povo (YPG) curdas, anunciaram que a ofensiva para reconquistar Raqqa ao Daesh foi lançada no sábado à noite, tendo como primeiro objetivo isolar a cidade para depois atacar em força o bastião dos jihadistas.

As FDS dizem que a operação tem como finalidade derrotar o Daesh em Raqqa mas também em Mossul, segunda maior cidade do Iraque e último bastião do grupo naquele país, onde as forças iraquianas e curdas continuam a combater os militantes que resistem na área com o apoio aéreo da coligação. Os porta-vozes do grupo de maioria curda dizem que os EUA aceitaram manter a Turquia e as facções por ela apoiada fora desta ofensiva e que garantiram que vão prestar-lhes apoio aéreo durante a operação.

Ancara continua a classificar as YPG como o ramo sírio do ilegalizado Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e tem estado a atuar na fronteira síria para limitar os avanços dos curdos naquela área. Os Estados Unidos consideram que as FDS são a força de combate mais eficaz a atuar no norte da Síria mas sabem que dificilmente a Turquia irá tolerar que tenham um papel ativo na batalha por Raqqa.

Numa conferência de imprensa no domingo em Ain Issa, a cerca de 48 quilómetros do norte de Raqqa, uma porta-voz das FDS, Jinah Sheikh Ahmed, anunciou que a operação para reconquistar a cidade síria, batizada Ira do Eufrates, envolve cerca de 30 mil combatentes e tem como objetivo libertá-la "das forças do terrorismo global e obscurantista representado pelo Daesh que têm em Raqqa a sua pretensa capital".

Um outro porta-voz da aliança curda síria, Talal Sello, explicou que a operação se vai desenrolar em duas fases, numa primeira para libertar as zonas rurais em redor de Raqqa e assim isolar a cidade para depois avançarem para o centro. A operação surge a par dos contínuos avanços das forças iraquianas e curdas, cada vez mais próximas do centro de Mossul e que este domingo voltaram a ser alvo de ataques bombistas e emboscadas dos jiadistas.

Na televisão estatal, o major general Maan al-Saadi, um comandante das forças de elite iraquianas de contraterrorismo, disse que militantes do Daesh executaram mais de 100 atentados com recurso a carros armadilhados só no domingo nas províncias orientais da cidade, que as forças iraquianas já alcançaram com o apoio aéreo da coligação liderada pelos EUA. Pelo menos 20 pessoas perderam a vida noutras partes do Iraque em ataques atribuídos ao Daesh.

Apesar de as duas batalhas não estarem coordenadas, os EUA dizem que a ofensiva para reconquistar Raqqa coincide com o assalto a Mossul em parte por temerem que qualquer atraso em agir no norte da Síria levará a que os militantes expulsos de Mossul se concentrem em Raqqa e passem a usar a cidade como base para planear e lançar ataques no estrangeiro.

Em entrevista à rádio Europe 1, o ministro francês da Defesa sublinhou ontem que uma ofensiva em Raqqa tem de ser tratada da mesma forma que a operação para reconquistar Mossul porque o grupo jiadista detém o controlo da faixa de território que liga as duas cidades. "Temos de ir para Raqqa,. Mesmo que as forças francesas, as forças dos EUA e da coligação contribuam com ataques aéreos para desmantelar o Daesh, serão as forças locais a libertar Raqqa", disse Yves Le Drian. "Mossul e Raqqa não podem ser dissociadas porque o Estado Islâmico e os territórios que ocupa se estendem por essa área."

Os EUA reconhecem que expulsar o Daesh de Raqqa é uma operação ainda mais difícil do que a reconquista de Mossul, tendo sugerido que esta fase inicial passe apenas por isolar a cidade antes que quaisquer forças entrem no centro urbano. O "The Guardian" refere que os EUA estão a tentar alcançar um reequilíbrio de poderes e etnias dentro das FDS por saberem que um ataque de maioria curda a Raqqa não só não será bem recebido pela população local como não é o que os curdos desejam.

Num claro sinal de que será difícil angariar o apoio da Turquia para esta ofensiva, o Presidente Erdogan acusou este domingo a Europa de estar a patrocinar os terroristas do PKK por causa do seu apoio às YPG e às FDS. "A Europa, como um todo, está a incitar ao terrorismo, apesar de dizerem que o PKK é uma organização terrorista, vemos como o PKK pode atuar com tanta liberdade e conforto na Europa", disse Recep Tayyip Erdogan num discurso desafiante na televisão. "Não quero saber se me chamam ditador ou outra coisa qualquer, entra por um ouvido e sai por outro. O que me importa é o que meu povo me chama."

Erdogan está a ser alvo de ainda mais críticas desde sexta-feira após ter ordenado a detenção dos dois líderes do Partido Democrático do Povo (HDP) e de outros nove membros do movimento liberal turco, o segundo maior da oposição, que o Governo diz ser o braço político do PKK.



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