Chefe do Exército da Colômbia dirigiu brigada acusada de matar civis

Documentos aos quais o EL PAÍS teve acesso vinculam determinados batalhões aos ‘falsos positivos’, à investigação de um massacre de indígenas e a um caso de violência sexual


Fancesco Manetto | El País

Bogotá - O comandante-chefe do Exército da Colômbia, Nicacio de Jesús Martínez Espinel, esteve à frente, entre outubro de 2004 e janeiro de 2006, de uma brigada apontada pelo Ministério Público colombiano como responsável por pelo menos 283 supostas execuções extrajudiciais nos departamentos caribenhos de La Guajira e Cesar. Pelo menos 23 casos remontam àquele período, quando o general era segundo comandante e chefe do Estado-Maior dessa brigada. Os documentos entregues ao EL PAÍS por fontes próximas às investigações dos chamados falsos positivos – assassinatos de civis perpetrados por militares durante o conflito armado e apresentados depois como guerrilheiros das FARC – descrevem episódios já julgados, alguns deles com sentença firme, que põem sob lupa as ações dessa brigada, onde Martínez diz ter exercido apenas tarefas administrativas.

Nicacio MartInez Espinel
O comandante do Exército colombiano, Nicacio Martínez Espinel, durante um comparecimento público em 20 de maio. LUISA GONZALEZ (REUTERS)

O Senado deve aprovar nesta quarta-feira a promoção de Martínez Espinel – indicado em dezembro pelo presidente Iván Duque para assumir o comando do Exército – a general de quatro-estrelas, a máxima graduação na hierarquia. Às informações publicadas em maio pelo The New York Times, que informou sobre novas diretrizes do Exército para pressionar seus membros a melhorarem os resultados das operações – o que causou inquietação entre alguns oficiais, por causa do maior risco de baixas civis –, somam-se agora dúvidas sobre seu trabalho de controle, na qualidade de segundo comandante e chefe do Estado-Maior da brigada. A Procuradoria (órgão que fiscaliza a função pública na Colômbia) abriu na semana passada uma investigação para determinar se as últimas decisões do general colocaram a população civil em risco.

Segundo os documentos aos quais este jornal teve acesso, a Décima Brigada Blindada, onde Martínez Espinel trabalhou, foi apontada em um relatório do ex-procurador-geral Eduardo Montealegre Lynett (2012-2016) como “um dos primeiros lugares no ranking de supostas execuções extrajudiciais”. Os casos relatados em 2005, durante a presidência de Álvaro Uribe (2002-2010), envolvem pelo menos dois batalhões em casos homicídios, além de um massacre de indígenas e um episódio de violência sexual. O primeiro ocorreu em 21 de fevereiro daquele ano. Os soldados do batalhão La Popa, segundo uma sentença condenatória, colaboraram em dois homicídios com os paramilitares das extintas Autodefesas Unidas da Colômbia.

Em 12 de maio de 2005, dois soldados do mesmo batalhão assassinaram em Cesar uma pessoa desarmada, Dagoberto Cruz Cuadrados, depois apresentado como morto em combate. Doze anos depois, em 2017, um promotor da Direção Nacional de Direitos Humanos reabriu o caso e ordenou a detenção dos responsáveis, que então já tinham deixado o Exército.

Em 14 de maio, no mesmo departamento, cerca de 30 militares do batalhão La Popa, segundo a acusação, participaram do assassinato de Claudino Manuel Olmedo Arlante e Frank Enrique Martínez Caviedes, um menor com deficiência mental. O modus operandi não mudou. Também neste caso, as vítimas foram descritas como combatentes envolvidos em enfrentamentos do Exército com a extinta guerrilha FARC. Sete soldados foram condenados a 40 anos de prisão. Semanas antes, outro homicídio com características semelhantes ocorreu no mesmo município de La Paz.

“Na manhã de 20 de novembro de 2005, no sítio Parcela de Tocaimo, na zona rural de San Diego (Cesar)”, diz outra resolução judicial, “foram abatidos por membros do pelotão Bombarda 3, do Batalhão de Artilharia Número 2 La Popa de Valledupar, e reportados como mortos em combate (...) os senhores Iván de Jesús Sierra de la Rosa, John Jairo Parejo Pérez, Alfredo Manuel Retamozzo e Waiberto Cohen Padilla”. Todos eram do departamento do Atlântico, “de onde tinham saído na noite anterior com dois homens que lhes ofereceram trabalho em Valledupar”. Após sua morte, o Ministério Público concluiu que “a presença da tropa militar no lugar dos acontecimentos não tinha nenhuma justificativa real, ou seja, não havia sustento ilícito”.

"Sem sanções nem impedimentos"

Este jornal entrou em contato com o Governo e a equipe de Martínez Espinel, que por enquanto se recusaram a se pronunciar pessoalmente. A corporação recorda, em nota, que "o comandante do Exército não sofre investigação, sanção ou impedimento algum por parte do Ministério Público, da Controladoria, da Justiça Penal Militar e da Justiça Especial para a Paz por temas relacionados aos direitos humanos que o impeça de exercer cargos públicos".

O debate sobre sua promoção causou uma tempestade política na Colômbia, motivando críticas de várias ONGs. O general, que sempre alegou que respeita os direitos humanos e que na época apontada tinha funções eminentemente administrativas no batalhão, não teve, segundo estes documentos, vínculo em nenhuma operação descrita. Entretanto, todas elas ocorreram quando era segundo comandante. "Sempre estive, estou e estarei atento a qualquer chamado das autoridades", manifesta o militar na nota.

Os documentos entregues a este jornal também mostram que em 5 de agosto de 2005 o atual chefe do Exército assinou uma ordem de recompensa de um milhão de pesos (1,13 milhão de reais, pelo câmbio atual) em troca de informações, o que rendeu "excelentes resultados operacionais e [permitiu] proceder assim contra supostos guerrilheiros". A ordem de entrega também foi assinada pelo então tenente-coronel que comandava o batalhão La Popa, e que hoje é o chefe do Estado-Maior de Planejamento e Políticas. Depois de obter essa informação, dois supostos membros das FARC “deram baixa”, e outro foi capturado. Os documentos do caso indicam que “há sérias dúvidas sobre se os fatos investigados foram gerados com ocasião do serviço ativo” dos militares envolvidos.

Além disso, em 21 de janeiro de 2006, dois dias antes de Martínez Espinel deixar o cargo à frente da Décima Brigada, soldados dos Grupos de Ação Unificada pela Liberdade Pessoal desse destacamento assassinaram, segundo a acusação, os indígenas Javier Pushaina, Luis Ángel Fince Ipuana e Gaspar Cambar Ramírez; feriram Gustavo Palmar Pushaina e Moisés Pushaina Pushaina; e agrediram física e sexualmente Irene López Pushaina e Ligia Cambar Ramírez. Este caso foi admitido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Estado colombiano expôs durante esse trâmite, em 2014, “sua política de tolerância zero com as violações de direitos humanos por parte da força pública e seu marco normativo para prevenir, garantir a não repetição e sancionar as privações arbitrárias da vida e as mortes de pessoas protegidas, assim como o marco de reparação integral”.

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