ONU diz que grupos terroristas estão se expandindo com fim de missões militares

Alerta consta no relatório do Conselho de Segurança da ONU publicado nesta quinta-feira (23); documento diz que a África é o novo epicentro dos jihadistas

Paul Cruickshank, Tim Lister e Nic Robertson | CNN

Com a aproximação do 20º aniversário do 11 de setembro, a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que a ameaça de grupos terroristas como o ISIS e a Al Qaeda não é apenas resistente, mas em muitos lugares está se expandindo.

Ofensiva do exército somali na região sul do país mata 17 terroristas | Foto: Somali Army/Handout/Anadolu Agency via Getty Images

Um relatório do Conselho de Segurança, equipe de monitoramento da ONU encarregada de rastrear ameaças mundiais destes grupos, publicado nesta quinta-feira (23), adverte que jihadistas representam uma ameaça crescente em grande parte da África. E ambos estão entrincheirados no Afeganistão, de onde a Al Qaeda planejou os ataques de 11 de setembro.

O relatório da ONU sugere um padrão consistente. Onde quer que a pressão sobre os grupos terroristas jihadistas esteja ausente ou seja desprezível, eles prosperam. No Afeganistão, onde os Estados Unidos afirmam que concluirão sua retirada militar em 31 de agosto, a ONU alerta para uma potencial "maior deterioração" na situação de segurança.

Na Somália, a retirada militar dos EUA e a redução parcial da Missão da União Africana deixaram as forças especiais somalis "lutando para conter" o Al-Shabaab, grupo terrorista afiliado da Al Qaeda.

No Mali, onde a França está encerrando sua missão de contraterrorismo, o relatório afirma que terroristas afiliados à Al Qaeda consolidaram sua influência e estão "reivindicando cada vez mais áreas povoadas".

Em Moçambique, "a ausência de medidas antiterroristas significativas" transformou a filial do ISIS na África Central numa "grande ameaça", diz o relatório.

Os ataques terroristas da Jihad diminuíram na Europa e na América do Norte, mas os especialistas da ONU esperam que isso seja temporário porque a violência terrorista foi "artificialmente suprimida por limitações de viagens, reuniões, arrecadação de fundos e identificação de alvos viáveis" durante a pandemia de Covid-19.

Ao mesmo tempo, eles acreditam que o risco de radicalização online aumentou durante os bloqueios.

"Uma das coisas que destacamos no relatório que acaba de sair é a possibilidade de que o relaxamento dos bloqueios possa significar que alguns ataques pré-planejados possam ocorrer", disse Edmund Fitton-Brown, coordenador da equipe de monitoramento da ONU à CNN.

O relatório é uma leitura moderada em um momento em que os Estados Unidos e seus aliados – exaustos pela pandemia e ansiosos para se concentrarem na recuperação econômica e enfrentarem a China e a Rússia – praticamente colocaram fim à guerra de 20 anos.

África é o novo epicentro de grupos terroristas

O relatório adverte que a África é agora "a região mais afetada pelo terrorismo" – com a Al Qaeda e grupos alinhados ao ISIS causando mais baixas do que em qualquer outro lugar. Em muitas áreas, esses grupos estão ganhando apoio, ameaçando outros territórios, obtendo melhores armas e levantando mais dinheiro.

Os monitores da ONU destacam a Somália – que está assolada por turbulências e recebendo menos apoio militar internacional do que antes. Eles alertam que o Al-Shabaab pode preencher o vácuo à medida que o "apoio estratégico" às forças do governo somali diminuir.

A ameaça que o grupo representa é sublinhada por uma recente acusação dos EUA contra um suposto agente queniano que "dirigido por altos líderes da Al-Shabaab, obteve treinamento de piloto nas Filipinas em preparação para tentar sequestrar uma aeronave comercial e colidir com um prédio nos Estados Unidos."

A Al-Shabaab é uma das várias afiliadas do terrorismo a aumentar o uso de drones para reconhecimento e tem a capacidade de ameaçar aeronaves de vôo baixo em uma região que depende de voos humanitários para sustentar populações vulneráveis, diz o relatório da ONU.

Grande parte da África Ocidental e do Sahel, uma faixa fronteiriça que passa pelo deserto do Saara e vai até o Sudão, tem se envolvido na violência jihadista nos últimos anos. No mês passado, o presidente nigeriano, Muhammadu Buhari, reconheceu que o país ainda está lutando contra uma séria insurgência, apesar dos reveses sofridos pelo grupo Boko Haram, cujo líder Abubakar Shekau teria morrido durante um ataque da afiliada regional do ISIS (ISWAP) em maio.

Os monitores da ONU dizem que embora o Boko Haram esteja "significativamente enfraquecido", o ISWAP pode ficar mais forte na região do Lago Chade e tentar estender suas operações para a grande cidade nigeriana de Maiduguri.

O tributo humano que essas insurgências causam é impressionante. Em junho, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas estimou que o conflito da Nigéria com as insurgências islâmicas até o final de 2020 resultou em quase 350 mil mortes, com 314 mil delas por causas indiretas, como deslocamento e pobreza.

Os monitores da ONU relatam que este ano terroristas afiliados ao ISIS já mataram centenas de civis em uma série de ataques em Burkina Faso, Mali e Níger. E grupos afiliados à Al Qaeda no Sahel estão fazendo um esforço combinado em direção à costa atlântica – com Senegal, Costa do Marfim, Benin, Gana e Togo entre os países em risco significativo.

Do outro lado da África, parte do norte de Moçambique está fora do controle do governo. Em março, a afiliada local do ISIS ocupou brevemente a cidade de Palma – um centro crítico no esforço do país para desenvolver seu potencial de gás natural. O grupo arrecadou entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões com saques a bancos locais, diz o relatório da ONU, e está bem posicionado para futuras invasões na área.

Ameaça persiste na Síria, Iraque e Afeganistão

A ameaça do ISIS está longe de ser extinta no Iraque e na Síria, com o grupo financiado por reservas estimadas de US$ 25 milhões a US$ 50 milhões. O ISIS "se reafirmou um pouco no Iraque" este ano em face da "constante pressão contra o terrorismo", diz o relatório.

Nesta semana, o ISIS alegou ter sido o autor de um atentado a bomba em Bagdá que matou pelo menos 30 pessoas. Os monitores da ONU dizem que, de acordo com os Estados-membros, o ISIS ainda tem "a intenção e a capacidade de sustentar uma insurgência de longo prazo no deserto da Síria" que faz fronteira com o Iraque.

Em outro lugar na Síria, o relatório afirma que "grupos alinhados com [a Al Qaeda] continuam a dominar a área de Idlib", onde os combatentes terroristas somam mais de 10 mil. O relatório afirma que os Estados-membros estão preocupados com a possibilidade de os combatentes se mudarem daquela região para o Afeganistão.

Com o Talibã obtendo ganhos rápidos em todo o Afeganistão, existe uma preocupação generalizada de que o grupo tome o controle do país e permita que ele se torne novamente uma plataforma para o terrorismo internacional. De acordo com o relatório da ONU, a Al Qaeda está presente em pelo menos 15 províncias afegãs e opera "sob a proteção do Talibã nas províncias de Kandahar, Helmand e Nimruz".

Em uma entrevista à CNN esta semana, o porta-voz do Talibã, Suhail Shaheen, disse que o grupo havia se comprometido "a não permitir que nenhum indivíduo, grupo ou entidade use o Afeganistão contra os Estados Unidos, seus aliados e outros países" e disse que os terroristas terão "nenhum lugar" em um Afeganistão sob o domínio do Talibã.

Mas Fitton-Brown diz que o Talibã "não rompeu seu relacionamento com a Al Qaeda. Eles não tomaram nenhuma medida contra a Al Qaeda que não pudesse ser fácil e rapidamente revertida".

A ofensiva do Talibã em todo o Afeganistão "não dá à comunidade internacional muita confiança de que eles estão caminhando para um compromisso real com um acordo estável negociado e, em última instância, pacífico no Afeganistão", disse ele.

Também existe a preocupação de que o ISIS tenha uma base sólida no Afeganistão, com um estado-membro relatando que atualmente tem entre 500 e 1.500 combatentes. Apesar de estar enfraquecido em partes do leste do Afeganistão, os especialistas da ONU alertam que a afiliada regional do ISIS "mudou-se para outras províncias" e "fortaleceu suas posições em Cabul e arredores, onde conduz a maioria de seus ataques".

Lideranças

Quanto à liderança desses grupos terroristas, trata-se de um momento de transição e incertezas. O relatório da ONU observa que Amir Muhammad al-Mawla, que assumiu como líder do ISIS há mais de 18 meses, "permanece relutante em se comunicar diretamente com seus apoiadores".

Ele diz que "o comando e controle do ISIS sobre suas províncias foi afrouxado", referindo-se a suas afiliadas internacionais.

Com o líder da Al Qaeda, Ayman al Zawahiri "avaliado pelos Estados-membros como vivo, porém doente", o relatório da ONU diz que é incerto onde o provável próximo líder do grupo estaria baseado. Os Estados-membros relatam que o "provável sucessor" de al Zawahiri é o veterano terrorista egípcio Saif al Adel, que "está atualmente localizado na República Islâmica do Irã".

Os monitores da ONU dizem que, caso ele consiga o cargo principal, ainda não está claro se Adel iria para o Afeganistão. Eles acrescentam que "alguns Estados-membros apontam para sua história de vida e operação na África e avaliam que ele pode escolher se estabelecer lá".

Preocupação com a próxima geração

Duas décadas depois do 11 de setembro, a capacidade da Al Qaeda e do ISIS de ameaçar o Ocidente é atualmente menor do que antes. Mas o relatório da ONU mostra que o perigo representado por grupos jihadistas internacionais se transformou em metástase, e que eles estão entrincheirados em áreas sub-governadas, assim como as potências ocidentais estão preocupadas com outras questões.

“É importante não tirar nossos olhos do contraterrorismo e, particularmente, não parar de melhorar a cooperação internacional no contraterrorismo”, diz Fitton-Brown.

Há bem mais de uma geração, o movimento jihadista internacional foi fortalecido pela retirada das forças soviéticas do Afeganistão. Agora está comemorando o fim da presença militar dos Estados Unidos – e provavelmente antecipando um novo influxo de recrutas para impulsionar a próxima geração da jihad – no Afeganistão e muito mais além.

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