Bruxelas alerta para as graves deficiências dos exércitos europeus diante da capacidade de agressão da Rússia

A Comissão Europeia quer assumir a coordenação do rearmamento da UE para garantir que o maior investimento em defesa desde a Segunda Guerra Mundial seja eficiente

Bernardo de Miguel | El País

A Comissão Europeia fez um inventário das deficiências do investimento europeu em defesa e o resultado do exercício, ao qual o EL PAÍS teve acesso, revela uma situação assustadora de vulnerabilidade, especialmente em um cenário de guerra aberta como o causado pela Rússia em 24 de fevereiro. O órgão presidido por Ursula von der Leyen exorta os governos dos 27 Estados-membros a fortalecer suas capacidades porque a agressão russa contra a Ucrânia "deteriorou substancialmente o cenário de segurança na União Europeia". Mas exige que isso seja feito de forma coordenada e exorta Bruxelas a organizar e encorajar o rearmamento para garantir que as deficiências mais graves dos exércitos europeus sejam preenchidas.

Manobras da OTAN durante a Operação Lança de Ferro 2022, em 11 de maio no campo militar de Adazi (Letônia) |.INTS KALNINS (REUTERS)

A defesa dos países europeus tem quase tantos calcanhares de Aquiles quanto os soldados. A lista de deficiências, elaborada pelo braço executivo da UE a pedido do Conselho Europeu, inclui defesas aéreas para proteger cidades ou infraestruturas neurais de ataques com mísseis, drones de vigilância e caças, tanques ou forças navais. A essa falta de armas de grande escala estão adicionados obstáculos na mobilidade e logística, ausência de uma rede de conectividade por satélite com cobertura europeia e criptografada, buracos na segurança cibernética ou escassez de munição após envios de material para ajudar o exército ucraniano.

O documento da Comissão repete repetidamente que esta situação é insustentável, tendo em vista "o aumento das ameaças à segurança". E ressalta que a guerra do presidente russo Vladimir Putin contra a Ucrânia revelou "os efeitos negativos, não de anos, mas décadas, de baixos gastos em defesa em tempos de paz".

Bruxelas estima que os gastos europeus com defesa, que estavam em torno de 200 bilhões de euros por ano antes da guerra da Ucrânia, aumentarão cerca de 60 bilhões de euros por ano se os 21 países da OTAN atingirem a meta de investir em defesa o equivalente a 2% do PIB. De qualquer forma, a Comissão assume que "a Europa enfrenta o maior aumento dos gastos militares nos Estados-Membros desde o fim da Segunda Guerra Mundial".

Mas a Comissão teme que esta injeção volumosa não atinja toda a sua eficiência se for feita em escala puramente nacional, com o risco adicional de que beneficiará as indústrias não-UE se for feita sem priorizar o desenvolvimento de projetos continentais. "Infelizmente, outros aumentos de gastos anteriores produziram resultados menores do que nossos aliados e, muito pior, nossos rivais", disse o documento da UE, referindo-se às compras materiais do aliado dos EUA. O texto aponta como exemplo que, em 2020, ano que já registrava uma expansão dos gastos militares, o investimento conjunto foi de apenas 11%, longe dos 35% que a UE estabeleceu como meta.

Von der Leyen se submeterá ao Conselho Europeu, que realizará uma cúpula extraordinária no final deste mês e uma cúpula ordinária em junho, várias propostas para incentivar o desenvolvimento de uma política de defesa europeia e acabar com a fragmentação atual e incentivar a cooperação. Todos eles aspiram a dar a Bruxelas um papel central em um campo como os militares, praticamente vetado até agora para as instituições comunitárias e reservado exclusivamente a governos nacionais ou a um órgão intergovernamental como a Agência Europeia de Defesa.

A Comissão, de acordo com a minuta do documento que será levado à cúpula, propõe estabelecer "uma série de instrumentos para desenhar, coordenar e incentivar uma abordagem conjunta no desenvolvimento, aquisição e propriedade durante todo o ciclo de vida dos equipamentos de defesa".

Para as necessidades mais urgentes, como o reabastecido estoque de munição esvaziado em parte para ajudar a Ucrânia, a Comissão está correndo para organizar compras conjuntas como foi feito com as vacinas COVID-19 e como quer fazer com o fornecimento de gás na sequência do confronto com Moscou. Bruxelas acredita que isso evitaria "uma corrida de ordens, o que causaria uma espiral [ascendente] dos preços e a impossibilidade de os Estados mais expostos se apossarem do material necessário", diz o documento acima mencionado.

Mas as propostas de Bruxelas também incluem mudanças de longo prazo e de longo alcance, destinadas a transformar fundamentalmente a política nacional de defesa e, no processo, acelerar a integração das indústrias armamentista da UE. "A compra conjunta [de armamentos] deve tornar-se a norma e não a exceção", afirma a Comissão. E salienta que uma integração tanto da demanda quanto da oferta alcançaria retornos econômicos significativos para os Estados.

A integração, segundo Bruxelas, seria incentivada por estímulos econômicos comunitários. A Comissão propõe abolir a regra que impede o Banco Europeu de Investimento (BEI) de financiar o setor de defesa. O recém-criado fundo europeu de defesa, dotado de 8 bilhões de euros até 2027, também deve ser ampliado e reformado para que possa financiar todas as fases do ciclo de produção de armas e não apenas, como é agora o caso, até a fase do protótipo.

O órgão da UE chega ao ponto de sugerir uma renegociação dos orçamentos da UE para o período 2021-2027, acordada na cúpula de julho de 2020 que criou o fundo de recuperação contra as consequências econômicas da pandemia. O objetivo desta revisão orçamentária é aumentar significativamente o fundo de defesa. Bruxelas acredita, segundo o texto, que tal debate "pode surgir como resultado de uma discussão mais ampla sobre as consequências do ataque da Rússia à Ucrânia"

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