Rússia e França disputam apoio diplomático na África sobre invasão da Ucrânia

O ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, encerrou a viagem - de menos de uma semana - por quatro países africanos na Etiópia, afirmando que a Rússia, por conta da guerra na Ucrânia, não é responsável pela alta dos preços de alimentos que assola países africanos e o resto do planeta. Lavrov culpa a pandemia e o que chamou de “políticas verdes” adotadas no Ocidente pela alta da inflação e disse que a ideia de responsabilizar a Rússia é uma estratégia ocidental. Ele destacou que qualquer eventual aumento nos preços de grãos é consequência das sanções impostas à Rússia.

Por Vinícius Assis | RFI

Diante de mais de cem pessoas na embaixada russa na capital etíope, Adis Abeba, o ministro reforçou as críticas contra os Estados Unidos, a União Europeia e as restrições impostas ao país governado por Vladimir Putin após a invasão da Ucrânia, cinco meses atrás. Em um discurso de cerca de meia hora, Lavrov tentou se mostrar mais próximo de países africanos ao destacar a necessária luta contra o colonialismo ainda presente na mentalidade de potências ocidentais, repetindo as observações feitas nos últimos dias na República do Congo e em Uganda. A viagem do ministro russo começou no Egito, no último fim de semana.

O chefe da diplomacia russa Serguei Lavrov discursa na emabaixada da Rússia em Adis Abeba © Vinícius Assis/ RFI

A reportagem acompanhou o evento em Adis Abeba. Entre os convidados estavam, além de jornalistas, integrantes de algumas embaixadas, como a do Brasil, representada pelo encarregado de negócios. Jornalistas não puderam fazer perguntas, apenas os convidados. Três deles pediram a palavra. Lavrov não se mostrou muito paciente com o pronunciamento do representante do Sudão do Sul, que preparou um discurso no qual deixava claro que o país mais jovem do mundo entendia o momento vivido pela Rússia, por conta de sanções também impostas. Visivelmente preocupado com o tempo, Lavrov interrompeu o diplomata dizendo para entregar o papel do discurso a alguém da embaixada russa e este seria lido depois.

Em nome do governo da Argélia, um dos convidados perguntou a Sergei Lavrov como encontrar alternativas para diminuir a influência do dólar americano na economia mundial, outra crítica presente no discurso do ministro russo. Lavrov destacou que, mesmo não sendo especialista no assunto, era preciso buscar alternativas. Ele lembrou que a Europa está buscando na África fornecedores de produtos que antes importavam da Rússia, como gás natural. Assim como Egito e Nigéria, lembrou que a Argélia é uma opção para os europeus que fogem da dependência russa. “É uma decisão que cabe ao governo de vocês”, disse, antes de alertar sobre o risco de contratos de curto prazo neste tipo de negociação.
Soluções africanas

Buscando a simpatia local, Lavrov levantou a bandeira “soluções africanas para problemas africanos” nesta viagem. Ele e o vice-primeiro-ministro etíope, que também é o ministro das Relações Exteriores do país, Demeke Mekonnen, plantaram árvores no jardim da embaixada russa. Mekonnen disse que os dois lados concordaram em continuar fortalecendo as relações em se tratando de economia, comércio, ciência e tecnologia, de acordo com a imprensa local.

Em abril, vários etíopes formaram uma longa fila na porta da embaixada russa em Adis Abeba por causa de um boato: o exército de Putin estaria recrutando voluntários para lutar na guerra na Ucrânia. No país do leste africano muita gente diz apoiar a decisão de Putin ao invadir a Ucrânia por entender que se trata, na verdade, de um confronto contra os Estados Unidos e não necessariamente à Ucrânia.

Na passagem por Adis Abeba, Sergei Lavrov ainda apoiou o governo etíope na busca por uma solução para a guerra civil que se instalou no norte de um dos mais importantes países africanos, em novembro de 2020, e até hoje causou a morte de milhares de pessoas e fez milhões fugirem das áreas onde viviam, que se tornaram zonas de conflito. Os Estados Unidos e o Ocidente passaram a pressionar a Etiópia com o objetivo de encontrar logo uma solução para o conflito.

A propósito, o enviado dos Estados Unidos para a região do chifre da África, Mike Hammer, também agendou uma viagem a Etiópia para essa semana e a guerra no norte do país está na pauta de discussões. E na manhã desta quarta-feira (27), os Estados Unidos ainda anunciaram o envio de US$ 488 milhões para ajudar a população da Etiópia prejudicada pela seca histórica que assola parte do país.

Neutralidade

Muitas nações do continente africano não tomaram partido sobre a guerra na Ucrânia. Apenas a Eritréia abertamente se opôs à resolução contra a Rússia em votação na ONU no início de março. O voto de 28 países africanos foi contra a Rússia, como fez o Egito. Outros 17 (um terço do continente) se abstiveram de apoiar um lado, como Uganda, onde Lavrov também esteve na terça-feira (26) e viu o presidente Yoweri Museveni exaltar a amizade russo-africana ao dizer que não vê razão para criticar a Rússia sobre a invasão à Ucrânia.

Enquanto isso, durante uma visita ao Camarões, o presidente francês, Emmanuel Macron, destacou, nesta terça-feira, que alimentos e energia são armas de guerra para a Rússia, descartando a possibilidade de se culpar sanções ocidentais pelo aumento da inflação na África e no resto do mundo. “Temos que ajudar o continente africano a produzir mais para si”, enfatizou o presidente da França.

A falta de um posicionamento de governos diante da invasão da Ucrânia por tropas russas também foi criticada por Macron, que destacou a “hipocrisia” de países “principalmente no continente africano” que não condenaram claramente o ataque da Rússia à Ucrânia. O inglês e o francês são idiomas oficiais na ex-colônia francesa, hoje governada pelo presidente Paul Biya, que está no poder há quase 40 anos. O Camarões enfrenta uma guerra civil travada entre a parte francófona da população e os anglófonos. Se nem todos por aqui tomam partido no conflito entre Rússia e Ucrânia, pelas ruas de ex-colônias francesas na África há quem claramente seja contra a França, o que faz com que muita gente, individualmente, apoie a Rússia.

O Camarões é um país rico em minerais e um dos maiores produtores de alimentos da região central do continente africano. A delegação de Macron busca oportunidades de investimentos no setor agrícola, dando continuidade à Missão de Resiliência Alimentar e Agrícola, lançada em março, com a União Africana, para impulsionar a produção de alimentos. Macron aproveitou a visita para dizer que arquivos sobre o domínio colonial francês no país seriam abertos na íntegra e pediu que historiadores esclareçam os “momentos dolorosos” do período. O presidente francês seguiu para o Benin. O último país visitado por ele nesta viagem será Guiné Bissau.

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