A disputa que ameaça estreita aliança de Ucrânia e Polônia na guerra contra Rússia

Em março de 2022, três semanas após a Rússia ter iniciado a invasão da Ucrânia, o primeiro-ministro e chefe do governo da Polônia, Mateusz Morawiecki, embarcou em um trem para a capital ucraniana para se encontrar com o presidente Volodymyr Zelensky e oferecer-lhe “todo o seu apoio”.


BBC News

Morawiecki estava acompanhado pelos líderes da República Checa e da Eslovênia. Eles foram os três primeiros chefes de Estado a demonstrar apoio à Ucrânia.

O primeiro-ministro polaco e o presidente da Ucrânia, em fevereiro | EPA

Agora, 18 meses depois, a relação entre os aliados Varsóvia e Kiev teve uma reviravolta drástica.

Na quarta-feira (20/9), Mateusz Morawiecki anunciou que “não entregaremos mais armas à Ucrânia porque agora estamos armando a Polônia com armamento mais moderno”, disse o primeiro-ministro ao canal de notícias Polsat News.

As declarações foram feitas depois de a Polônia ter convocado o embaixador da Ucrânia no dia anterior para protestar contra os comentários feitos pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na sede das Nações Unidas.

Durante seu discurso na ONU, em Nova York, Zelensky disse: “É alarmante ver como alguns na Europa representam a solidariedade num teatro político, fazendo uma obra de suspense com cereais”.

Em outras palavras, Zelensky acusou Varsóvia de cooperar com a Rússia depois de a Polônia e outros países da Europa Central terem proibido as importações de cereais ucranianos para proteger seus interesses.

Varsóvia classificou as palavras do presidente ucraniano como “injustificadas no que diz respeito à Polônia, que apoia a Ucrânia desde os primeiros dias da guerra”.

A disputa dos cereais

Desde o início da invasão, a Polônia enviou armas e ajuda humanitária para a Ucrânia e abriu as suas fronteiras aos refugiados do país.

Mas a relação entre os dois começou a azedar em maio devido a um acordo da União Europeia (UE), que restringiu as importações de cereais ucranianos.

Por conta da invasão russa na Ucrânia, as rotas marítimas do Mar Negro, que antes da guerra eram usadas para transportar grãos ucranianos, foram fechadas.

Isso tornou a UE uma importante rota de trânsito e destino de exportação do produto.

Em maio, a UE concordou em proibir as importações de cereais ucranianos para cinco países vizinhos: Polônia, Hungria, Eslováquia, Romênia e Bulgária.

Os países afirmaram que o aumento inesperado de grãos ucranianos de baixo custo e isentos de tarifas estavam derrubando os preços dos agricultores locais e causando “estragos econômicos”.

O acordo permitia o transporte de grãos entre os cinco países, mas proibia a venda e armazenamento no mercado local. Mas, em 15 de setembro, a Comissão Europeia disse que iria acabar com a proibição de importações, argumentando que “as distorções de mercado nos cinco Estados membros que fazem fronteira com a Ucrânia desapareceram”.

Imediatamente, Polônia, Hungria e Eslováquia anunciaram que desafiariam a medida e continuariam com as restrições.

No seu discurso na ONU, Zelensky sugeriu que essa decisão era “hipócrita e prejudicial” para o seu país.

As declarações provocaram uma resposta irada da Polônia, que convocou o embaixador ucraniano e, posteriormente, anunciou o fim do seu fornecimento de armas à Ucrânia.

“Proteger os agricultores”

No início desta semana, a Ucrânia apresentou ações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra Polônia, Hungria e Eslováquia por proibições que considerou serem uma violação das obrigações internacionais.

A ministra da Economia da Ucrânia, Yulia Svyrydenko, disse que era “de vital importância para nós demonstrar que os Estados membros individuais não podem proibir as importações de produtos ucranianos”.

Mas a Polônia disse que manteria a proibição e que “uma queixa à OMC não nos impressiona”.

Em declarações à TV polonesa, o primeiro-ministro Morawiecki insistiu que a Polônia estava ajudando a Ucrânia a derrotar o "bárbaro russo", mas indicou que não aceitaria que os mercados poloneses fossem desestabilizados pelas importações de grãos.

“Estou alertando as autoridades ucranianas. Porque, se intensificarem a disputa, adicionaremos produtos à proibição de importação para a Polônia. As autoridades ucranianas não compreendem até que ponto a indústria agrícola polonesa foi desestabilizada. Estamos protegendo os agricultores poloneses”, declarou Morawiecki.

Apesar da proibição, Polônia, Hungria e Eslováquia afirmaram que continuariam permitindo o transporte de cereais através do seu território para outros mercados.

Retórica eleitoral?


Não se espera que as exportações de armas polonesas para a Ucrânia parem completamente, já que o fabricante polonês PGZ ainda deve enviar cerca de 60 armas de artilharia Krab nos próximos meses.

O anúncio de Morawiecki, dizem os especialistas, é retórico, uma vez que a maioria da ajuda militar que a Polônia tinha disponível foi transferida para a Ucrânia nos primeiros meses da guerra e não tem mais armas para oferecer.

O porta-voz do governo, Piotr Müller, esclareceu posteriormente que apenas seriam feitas entregas previamente acordadas de munições e armas, incluindo as provenientes de contratos assinados com a Ucrânia.

O partido no poder da Polônia, o Direito e Justiça (de direita), subiu o tom da sua retórica nas últimas semanas, em meio a uma campanha eleitoral acirrada antes das eleições parlamentares de 15 de outubro.

Em várias ocasiões, os membros do partido saíram em defesa dos agricultores poloneses que se sentem ameaçados pelas importações de cereais ucranianos.

“Fomos os primeiros a fazer muito pela Ucrânia e é por isso que esperamos que eles compreendam os nossos interesses”, disse Morawiecki ao Polsat News.

“É claro que respeitamos todos os seus problemas, mas para nós os interesses dos nossos agricultores são os mais importantes”, acrescentou o primeiro-ministro.

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