Brasil presidirá em outubro o Conselho de Segurança da ONU

Pressões por reforma da ONU aumentam, mas o confronto entre EUA e China empaca avanços


Por Assis Moreira | Valor

Genebra - O Brasil vai presidir durante o mês de outubro o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o mecanismo destinado a manter a paz e a segurança globalmente, e no qual aspira ter assento permanente.

Conselho de Segurança da ONU — Foto: Bebeto Matthews/AP

Esta será a 12ª passagem do Brasil, como membro não permanente, na presidência do CS desde a criação do conselho após a Segunda Guerra Mundial. Coincide com um cenário geopolítico especialmente agitado. Mas também vem como uma tribuna para o país insistir na reforma da governança global e ser reconhecido o peso crescente dos emergentes.

O tema da reforma do Conselho de Segurança está em ascendência. Durante a Assembleia Geral da ONU, de 18 a 26 deste mês, em Nova York, provocará muitas articulações diplomáticas – mas continuará empacada, em meio à crescente confrontação entre os EUA, China e Rússia, três dos cinco membros permanentes.

Após a recente expansão do grupo de grandes emergentes Brics de 5 para 11 membros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que iria conversar com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante a assembleia da ONU, para tratar da reforma.

"Estou há mais de 15 anos brigando pela participação no Conselho de Segurança. Agora vou falar com meu amigo Biden 'você pode tratar de começar a defender o Brasil', disse Lula.

A administração Biden de fato desenvolve planos para reforma do Conselho de Segurança na esperança de restaurar a confiança nesse órgão ao reconhecer o mapa difuso do poder global atualmente, segundo artigo recente do jornal ‘Washington Post’.

A proposta americana poderia incluir meia dúzia de assentos permanentes no conselho sem garantir a essas nações o poder de veto. Para os EUA, o movimento poderia atenuar a enorme frustração de países em desenvolvimento com o atual formato do conselho.

A coluna apurou, porém, que Washington não apresentou a parceiros nada mais específico além da declaração do Biden no ano passado sobre buscar expandir a influência dos países em desenvolvimento na ONU. A partir daí os EUA têm feito consultas, sem apresentar uma proposta.

O número de seis novos assentos permanentes surge da hipótese de 4 (Alemanha, Brasil, Índia e Japão) mais dois africanos.

Para os EUA, a expansão deverá em todo o caso incluir o Japão e a Índia – justamente os dois que a China não quer ver ‘nem pintados de ouro’ no conselho, na expressão de um importante observador. Os americanos nunca endossaram abertamente a entrada do Brasil.

O Brasil defende expansão para membros permanentes, com direito a veto, e também para membros não permanentes. No passado, o G-4 (Brasil, India, Alemanha e Japão) aventou abrir mão temporariamente do veto para viabilizar a expansão do conselho. Entra também nas discussões a ideia de disciplinar o veto, para todos os que teriam direito.

O fato é que qualquer reforma precisa da aprovação de pelo menos 128 dos 193 membros da ONU, além da ratificação pelos cinco membros permanentes do Conselho (EUA, China, Rússia, França e Reino Unido). Desde 1945, o Conselho de Segurança teve duas reformas, e nenhuma delas representou mudança significativa na correlação de forças. Ninguém abre mão de poder voluntariamente, e só confiança ingênua acredita que poderia ser diferente.

O que não se ignora é que a pressão aumenta pela reforma da governança global. O primeiro-ministro da India, Narendra Modi, quer insistir na cúpula do G20, no fim de semana, em Nova Deli, sobre a importância de adaptações à realidade geoeconômica do mundo. O mesmo já foi enfatizado pelo presidente da Africa do Sul, Cyril Ramaphosa, na presidência do Brics.

‘O mundo de hoje é um mundo multipolar onde instituições são extremamente importantes para uma ordem baseada em regras que seja justa e sensível a todas as preocupações’, disse Modi, esta semana. ‘No entanto, instituições somente podem manter relevância quando elas mudam com o tempo’.

A abordagem do século 20 não serve para o século 21, acrescentou o primeiro-ministro da Índia. ‘Nossas instituições internacionais, portanto, precisam reconhecer a mudança de realidades, expandir seus fóruns de tomada de decisão, reexaminar as prioridades e assegurar a representação das vozes que contam’’.

Por sua vez, o presidente da França, Emmanuel Macron, em discurso na semana passada para os embaixadores franceses, admitiu que a pressão continuará nessa direção.

‘Acredito que o contexto internacional está se tornando mais complicado e que há um risco de que o Ocidente, e a Europa em particular, sejam enfraquecidos’, disse ele. ‘Precisamos ser lúcidos, sem sermos excessivamente pessimistas nesse contexto. Em primeiro lugar, há uma diluição objetiva de nossa população, de nossa riqueza produzida e de nossa participação no comércio mundial. Isso é ainda mais verdadeiro desde a crise de 2008-2010. Esse é o resultado do surgimento de grandes potências internacionais. Foi reforçado pela crise energética, já que a Europa não é produtora de combustíveis fósseis, pelo menos não no curto prazo, e isso também consolida as estratégias que estamos adotando’.

Além disso, observou Macron, ‘há o questionamento gradual de nossa ordem internacional, seus princípios e suas várias formas de organização’. É o que ele chama de ‘uma espécie de aumento na política do ressentimento, alimentada aqui pelo anticolonialismo reinventado ou fantasiado, pelo antiocidentalismo instrumentalizado, a denúncia de um padrão duplo que às vezes alimentamos’.

Acrescentou: ‘É preciso dizer que, ao ajustar o direito internacional ao que pensávamos, esquecemos que a soberania dos povos era um dos pré-requisitos para nossa ação’. E que não se pode ignorar uma contestação crescente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. ‘Cada vez mais países, de forma cada vez mais desinibida, consideram que essas estruturas são cada vez menos legítimas para impor-lhes esta ou aquela regra e que, além disso, foram criadas em um mundo em que esses países não existiam, o que é verdade, e que representam uma ordem passada, mas que não refletem a realidade geopolítica, ainda menos demográfica e talvez às vezes militar, de hoje’.

‘Sem exagerar a realidade, isso se reflete em sintomas como o que vimos nos últimos dias com uma tentativa de expandir a cúpula do BRICS’, acrescentou Macron. ‘Precisamos permanecer lúcidos sobre a realidade do que isso implica. No entanto, isso reflete o desejo de ver surgir uma ordem alternativa ou, pelo menos, algo que substitua o que costumava ser chamado de ordem internacional, vista como ocidental demais ou, de qualquer forma, com regras que se tornaram menos legítimas. Tudo isso está ocorrendo em um cenário de tensões crescentes entre a China e os Estados Unidos, o que, diga-se de passagem, também está abalando nosso direito internacional, já que nos últimos meses elas levaram a um claro desafio à nossa ordem comercial internacional, com a principal e a segunda maiores potências comerciais do mundo decidindo não cumprir as regras comerciais que haviam estabelecido anteriormente. Uma nova forma de protecionismo está em ascensão’.

Para Macron, ‘tudo isso leva ao risco de dividir o mundo, enfraquecer a ordem internacional baseada no direito, enfraquecer a ideia democrática, como podemos ver com o surgimento desse momento iliberal, e minar nossos mecanismos de cooperação e parceria existentes. Ao mesmo tempo, estamos enfrentando desafios cada vez mais globais que exigem maior coordenação, seja em termos de paz e estabilidade, clima, biodiversidade, combate à pobreza para o desenvolvimento, mas também inteligência artificial e tecnologia digital ou combate à evasão fiscal’.

Assim, ‘cada uma dessas questões exige uma ordem internacional mais cooperativa e estabelecida. Esse é o paradoxo em que vivemos. E nossa estratégia deve ser a mais lúcida possível, com o objetivo de confrontar essa nova ordem, mas fornecendo respostas sólidas a ela’.

É nesse cenário que o Brasil volta a assumir a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. É uma nova boa experiência para um dia ser membro permanente.

Na presidência, o país planeja e lidera os encontros e maneja a administração, sem influencia adicional nas decisões ou votos (as decisões tomadas no conselho são legalmente obrigatórias).

Mas na diversidade de temas globais tratados, o Brasil pode destacar certas questões, como climáticas, desigualdades sociais e econômicas, direitos da mulher e outros.

A presidência pode servir também para setores no Brasil se conscientizarem que um eventual assento permanente no Conselho de Segurança vem com prestígio, mas igualmente com custos que não são aparentes no primeiro momento.

Será preciso ter mais embaixadas que informem em detalhes sobre situações locais, porque os temas globais vão estar sempre na mesa. Qual a posição do Brasil sobre o Níger, Gabão e outros conflitos distantes? Qual o custo de ficar ao lado de uma das facções em diferentes e distantes confrontos, com risco de retaliação? Sem informações mais focadas de sua diplomacia, o país corre o risco de sua política externa ser definida pela agenda dos outros membros do conselho.

Além disso, é preciso ver que o Brasil não tem nem como arcar com suas dívidas correntes com os organismos internacionais. E como membro permanente do Conselho de Segurança, terá que pagar significativamente mais – e o mais difícil, em dia – para as operações de paz das Nações Unidas.

Tudo isso implicará negociações no Congresso Nacional, que talvez tenha de abrir mão de mais emendas de parlamentares para pagar a fatura adicional na cena internacional.

Em novembro, o Brasil passará a presidência do Conselho de Segurança para a China.

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