Golpe no Níger ameaça interesses franceses no mercado do urânio

Será que as luzes se apagam na Europa se o Níger impedir a França de extrair mais urânio? A DW perguntou a especialistas africanos e europeus se o golpe de Estado no Níger afeta a cadeia de abastecimento de energia.


Por Martina Schwikowski | Deutsch Welle

O maior tesouro do Níger está no subsolo: o urânio, a matéria-prima mais importante do Sahel. Mas os golpistas que estão no poder desde 26 de julho alimentam temores de que o fornecimento deste elemento químico aos mercados globais esteja em perigo.

Mina de urânio © Maurice Ascani/Areva/AP Photo/picture alliance

A França encontra-se numa situação particularmente difícil. Cerca de dois terços da sua eletricidade provem de centrais nucleares alimentadas por urânio proveniente do Níger. E também exporta eletricidade para outros países da Europa que não têm centrais nucleares próprias.

Relações "desiguais" com a França

Na sequência do golpe de Estado, a cooperação económica e as parcerias militares entre os dois países estão em risco. A junta militar liderada pelo general Abdourahamane Tiani instituiu uma moratória sobre as exportações de urânio e pediu a retirada das tropas francesas no país.

Quando tomou o poder, a junta ordenou a suspensão das exportações de urânio e, mais tarde, deu 48 horas ao embaixador francês para sair do país. Sylvain Itte permaneceu em Niamey, apesar da expulsão. O Governo do Presidente Emmanuel Macron não quer abdicar da sua influência ou do fornecimento de matérias-primas, mas a tolerância no Níger é mínima.

"Toda a gente no Níger sente que esta parceria é muito desigual", disse Mahaman Laouan Gaya, antigo ministro nigerino da Energia, que foi secretário-geral da Organização dos Produtores Africanos de Petróleo (APPO) até 2020.

Num e-mail enviado à DW, Gaya refere "inconsistências significativas". O Níger exportou urânio no valor de 3,5 mil milhões de euros (3,8 mil milhões de dólares) para França em 2010, mas recebeu apenas 459 milhões de euros em troca, exemplificou.

"Se o Níger decidir não exportar urânio para França, isso terá consequências dramáticas para a França, mas pouco impacto na economia nigerina", afirmou o ex-ministro.

O responsável acrescentou que cerca de 90% da população do Níger não tem eletricidade e que, com a exploração dos preços, o Níger recebe atualmente muito poucas receitas pelas suas exportações.

Produção de urânio parou?

Há décadas que o conglomerado nuclear francês Orano (antiga Areva) explora urânio no Níger. O material é utilizado principalmente para produzir combustível para 56 centrais nucleares francesas.

Não é claro se a moratória da junta sobre as exportações de urânio estará já a ser aplicada. "A crise atual não tem impacto a curto prazo na capacidade de fornecimento da Orano", disse recentemente um porta-voz da empresa à agência noticiosa AFP.

Entretanto, o antigo primeiro-ministro e líder da oposição do Níger, Hama Amadou, disse à emissora Voxafrica que a Orano ainda produzia urato, a base do urânio, no país africano.

"Não creio que as novas autoridades tenham cancelado os contratos de extração de urânio entre a França e o Níger", disse Amadou. "Portanto, qual é o receio do Estado francês em relação aos seus interesses no Níger?"

Minas nas mãos dos franceses

A pergunta ficou no ar e a preocupação mantém-se. Cerca de dois terços da eletricidade em França provém de centrais nucleares alimentadas por urânio. E a França exporta eletricidade para países da Europa que não possuem centrais nucleares.

A Somair explora a maior mina de urânio do Saara, localizada nos arredores da cidade de Arlit. A empresa é detida em 63% pelo grupo francês Orano. A Sopamin, uma empresa estatal nigeriana, detém os restantes 37%.

Em maio deste ano, a Orano assinou novos contratos com o Governo nigerino, prolongando a extração francesa de urânio até 2040.

O jornalista nigerino Seidick Abba considera que o golpe não altera estes acordos. "O urânio ainda vai de Arlit para Cotonou e de Cotonou para França. Porque o Níger não pode interromper o fornecimento, segundo o acordo. Não é um acordo estatal, ainda que a Orano e a Sopamin sejam propriedade dos países – é um acordo comercial. E o acordo é de 10 anos. Não há possibilidade de a Junta parar os fornecimentos", argumenta.

Europa tem outros fornecedores

No ano passado, França recebeu cerca de um quinto do urânio do Níger, segundo dados da Agência Euratom. Estados da Ásia Central como o Cazaquistão e o Uzbequistão também forneceram quantidades significativas de urânio ao país europeu.

Em 2022, o Níger era o terceiro maior fornecedor de urânio de França, afirma Alex Vines, da Chatham House, com sede em Londres, para quem a dependência de França face ao país africano é sobrestimada.

"Há três empresas que produzem urânio no Níger e, portanto, são uma parte importante da segurança energética de França. A França tem negócios com países como o Cazaquistão, a Austrália e a Namíbia. Pode facilmente diversificar o seu abastecimento de urânio. Ou seja, não depende do Níger", explicou.

Também o porta-voz da Comissão Europeia, Adalbert Jahnz, garantiu recentemente que a Europa tem stocks suficientes de urânio natural para amortecer eventuais riscos de abastecimento no curto prazo.

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