Governo Lula faz reunião sigilosa com França para complementar acordo sobre submarino nuclear

Brasil pede mais transferência de tecnologia e apoio para finalizar projeto, cuja nova fase pode chegar a R$ 25 bilhões


Patrícia Campos Mello e Cézar Feitoza | Folha de S.Paulo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - O Brasil negocia com a França uma complementação do acordo para a construção do submarino de propulsão nuclear.

Visão em corte simplificada do Submarino Convencionalmente Armado de Propulsão Nuclear (SCPN)

No dia 22 de setembro, o chefe do Estado-Maior da França, brigadeiro Fabien Mandon, esteve em Brasília e participou de uma reunião com o almirante Petrônio Aguiar, diretor-geral de desenvolvimento nuclear da Marinha, para discutir os termos do contrato e avançar na construção do submarino, que enfrenta atrasos.

A reunião, que teve participação de integrantes do Itamaraty, do Planalto e do Secretariado-Geral da Defesa da França, órgão que autoriza a venda de armamentos e tecnologia sensível do país, foi mantida em sigilo. O almirante Petrônio viajará à França nos próximos dias para prosseguir com as conversas.

França e Brasil negociam dentro do acordo de parceria estratégica assinado em 2008 que inclui o Prosub, o programa brasileiro de submarinos.

Estimado em R$ 40 bilhões em valores atuais, o Prosub previa a construção de quatro submarinos convencionais (dois dos quais estão prontos) e um submarino convencional movido a propulsão nuclear, batizado de “Álvaro Alberto”.

O acordo assinado em 2008 com a França previa “apoio francês, no longo prazo, para a concepção e construção da parte não-nuclear do submarino”.

Na prática, até agora, foi um auxílio para o design do casco do submarino de propulsão nuclear –mas não a tecnologia para acomodar o reator (que o Brasil sabe fabricar) dentro do casco e fazer com que ele conecte e forneça energia até a propulsão.

Apesar de o submarino ser prioridade do governo brasileiro, o projeto avança lentamente, porque o Brasil precisa de mais know-how e equipamentos da França e porque há inconstância orçamentária.

Nesse acordo complementar, o Brasil negocia comprar dos franceses equipamentos para a turbina e o gerador, que usariam a energia gerada pelo reator, e não são fabricados no país.

O país também precisa de transferência de know-how para integrar o reator ao submarino e para finalizar o protótipo do submarino no Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica, em Iperó, interior de São Paulo.

A Marinha também precisa de treinamento para montagem e coordenação, de testes operacionais e racionalização industrial para redução dos custos de construção.

Outra demanda do Brasil é ajuda para garantir a segurança do reator dentro do submarino, mas isso enfrenta resistência do lado francês, que não quer se envolver diretamente na parte nuclear.

O objetivo seria chegar, nos próximos meses, a uma carta de intenções assinada pelo presidente Lula e pelo líder francês Emmanuel Macron.

A Marinha brasileira pretende avançar com as negociações para cumprir seu cronograma interno, que prevê a finalização do reator atômico em 2027 e a conclusão do submarino daqui a dez anos.

Os entraves para o acordo com a França e as tratativas com agências internacionais de energia atômica fizeram a Marinha tratar com mais sigilo as negociações do Prosub desde agosto.

Estima-se que, para essa nova fase, sejam necessários cerca de R$ 25 bilhões, entre compras de equipamentos da França e investimento brasileiro. Mas o governo brasileiro está negociando valores.

“Esta nova negociação vai determinar de que maneira a França vai apoiar na continuação da construção do submarino de propulsão nuclear, quanto isso vai custar e se vão estender o acordo”, diz o almirante Antonio Ruy Silva, membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP.

Autoridades brasileiras e francesas já haviam conversado sobre o assunto em maio, na França, e em junho, em encontro de Lula com Macron, em Paris.

A negociação é delicada porque os Estados Unidos se opõem à venda dos equipamentos e transferência de know-how para o Brasil.

“Os Estados Unidos não querem que outra potência do hemisfério ocidental tenha essa capacidade bélica”, diz Francisco Carlos Teixeira, professor de história contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Hoje, só os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido — e a Índia, que não é signatária do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), detêm essa tecnologia. Todos eles têm bombas atômicas.

Uma rusga geopolítica pode entrar no cálculo dos franceses na decisão de assinar o novo acordo com o Brasil.

Em 2021, a Austrália cancelou um contrato de US$ 66 bilhões com a França para comprar uma frota de submarinos convencionais e anunciou que, em vez disso, iria adquirir submarinos de propulsão nuclear de Estados Unidos e Reino Unido.

O presidente Macron foi surpreendido e ficou enfurecido. Em março deste ano, EUA, Reino Unido e Austrália formalizaram o chamado acordo Aukus, com vistas à contenção da China.

“Pode ser o momento de a França devolver o golpe que levou dos EUA”, diz Teixeira. “Além disso seriam encomendas importantes para a indústria francesa, que sofreu com a perda dos contratos com a Austrália.”

Relatório do Senado francês em julho afirma que o desenvolvimento do Álvaro Alberto “representa um grande desafio para o Brasil” e que “vários interlocutores indicaram claramente que queriam um maior apoio da França”.

O relatório recomenda que se estude a possibilidade de “aprofundamento do programa Prosub na área nuclear”, tendo em vista que “o acordo Aukus deverá levar à construção e entrega, pelos Estados Unidos, de submarino de propulsão nuclear à Austrália”.

O interesse dos franceses na venda, além de financeiro, é também se aproximar do Brasil e eventualmente ter o país como um novo fornecedor de urânio.

A França, que compra do Níger 20% do urânio que consome, quer diversificar suas fontes, uma vez que o país africano teve um golpe de Estado e está sob grande influência da Rússia.

Macron, com a crise no fornecimento de gás por causa da guerra na Ucrânia, anunciou a construção de novas usinas nucleares, o que vai aumentar muito a demanda pelo mineral.

O Brasil levaria cerca de três anos para conseguir aumentar a produção, e teria de mudar a legislação –hoje monopólio estatal. Mas já existe um lobby forte para isso.

O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar da Tecnologia e Atividades Nucleares do Congresso, é um dos maiores defensores da adoção de pequenos reatores modulares e aumento da produção de urânio no país. “O governo francês está bem interessado no urânio brasileiro”, disse.

Além dos desafios tecnológicos, o Brasil enfrenta mais um obstáculo para o submarino nuclear: terá de negociar com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) um acordo de salvaguardas para garantir a segurança do combustível atômico –urânio enriquecido.

A agência já manifestou resistência. A Austrália também negocia salvaguardas, mas, ao contrário do Brasil, aderiu aos protocolos adicionais do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. O governo brasileiro vê os protocolos adicionais como excessivos e interferência sobre soberania.

Procurada pela reportagem, a Marinha enviou nota afirmando que “a parceria estratégica com a França tem sido exibida exitosa nos últimos 15 anos” e que a Força “permanece empenhada em sua manutenção e mesmo no seu crescimento, gerando assim maiores sinergia e desenvolvimento para as duas nações”.

A Marinha disse buscar, no âmbito do Prosub, “o incremento da quantidade de equipamentos periféricos para o sistema de propulsão do futuro submarino”. “São materiais especiais, que ainda não estão disponíveis no mercado nacional e, portanto, seria interessante a participação de nossos parceiros industriais franceses.”

Procurada, a Embaixada da França no Brasil não se manifestou.

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