Por que ataques entre Irã e Paquistão levam a 'escalada grave' de tensões na região

O Paquistão lançou ataques com mísseis contra o Irã nesta quinta-feira (18/1), matando nove pessoas. Segundo o governo local, os alvos eram "esconderijos terroristas" no sudeste do território iraniano.


BBC News Brasil

Os bombardeios seguem ataques do Irã a alvo no próprio Paquistão na noite de terça-feira (16/1).


Tudo isso na mesma semana em que a Guarda Revolucionária Islâmica iraniana também bombardeou alvos na Síria e no Iraque, no que chamou de resposta a um ataque que matou 84 pessoas no início do mês e à morte de um alto comandante nos arredores de Damasco em dezembro.

O momento é de tensões elevadas na região. Além da troca de ataques, Israel trava um conflito há meses contra o Hamas na Faixa de Gaza e troca mísseis com o grupo Hezbollah, apoiado pelo Irã, no Líbano.

Grupos aliados do Irã estão alvejando forças americanas no Iraque e na Síria. E e os Estados Unidos e o Reino Unido bombardearam, na semana passada, alvos no Iêmen ligados aos rebeldes houthi, também apoiados pelo Irã, e que vêm atacando navios de bandeira internacional no Mar Vermelho como uma espécie de represália contra Israel pelos bombardeios em Gaza.

A situação é vista com preocupação por observadores internacionais especialmente porque envolve países que possuem armas nucleares - Paquistão -, ou programas nucleares em desenvolvimento - Irã.

Em entrevista ao programa Today da BBC Radio 4, o Shashank Joshi, editor da área de Defesa da revista The Economist, afirmou se tratar "da escalada de tensões mais grave de que me lembro” nos últimos anos.

Irã e Paquistão


O Ministério das Relações Exteriores do Paquistão disse que seus ataques ao redor da cidade iraniana de Saravan ocorreram à luz de "informações confiáveis sobre atividades terroristas iminentes em grande escala" e acrescentou que "respeita totalmente" a "soberania e integridade territorial" do Irã.

Na sua própria declaração, o Exército do Paquistão disse que os “ataques de precisão” foram conduzidos com drones, foguetes e mísseis de longo alcance e tiveram como alvo o Exército de Libertação do Baluchistão e a Frente de Libertação do Baluchistão.

Ambos os grupos reivindicam maior autonomia no Baluchistão, uma região remota no sudoeste do Paquistão.

O Irã condenou o ataque, que disse ter matado três mulheres, dois homens e quatro crianças.

Por sua vez, o Paquistão condenou veementemente o ataque do Irã na terça-feira, que atingiu Sabz Koh, uma área da província paquistanesa do Baluchistão, perto da fronteira iraniana, e que Islamabad disse ter matado duas crianças.

O Irã insistiu que os seus ataques visavam apenas o Jaish al-Adl, um grupo étnico balúchi muçulmano sunita que realizou ataques dentro do Irã, e não os cidadãos do Paquistão.

A imprensa estatal iraniana informou nesta quinta-feira que Teerã convocou o encarregado de negócios do Paquistão por conta dos ataques. Antes, o Paquistão já havia chamado de volta o seu embaixador no Irã e impedido o retorno do enviado iraniano ao seu país.

A China, a Turquia e o governo talebã no Afeganistão pediram pela contenção do conflito e pelo diálogo.

O Irã e o Paquistão têm relações complicadas, mas cordiais. Representantes dos dois países se reuniram em Davos, na Suíça, nesta semana e as suas Marinhas realizaram exercícios conjuntos no Estreito de Ormuz e no Golfo Pérsico.

Os dois países têm preocupações semelhantes sobre a zona fronteiriça entre seus territórios, onde traficantes de drogas e os grupos militantes balúchis são bastante ativos.

Depois de ambos os ataques aéreos dos últimos dias, cada lado parecia ansioso em enfatizar que os bombardeios não representavam ataques ao país vizinho e irmão.

Teerã não fez muito alarde sobre o ataque paquistanês, e as autoridades afirmaram que as vítimas, que incluíam mulheres e crianças, não eram cidadãos iranianos.

Michael Kugelman, do think tank Wilson Center, afirmou à BBC que, embora a retaliação do Paquistão aumente o risco de escalada, "também oferece uma oportunidade para se recuar do abismo".

"Na verdade, os dois lados estão empatados agora. Islamabad teve um forte incentivo para elevar o tom com ações, especialmente com o Irã na ofensiva em toda a região, implantando ataques diretos e representantes para atacar ameaças e rivais. Com efeito, se o Paquistão não tivesse respondido, teria enfrentado o risco de ataques adicionais", disse ele.

Outros sugeriram que o governo de Islamabad estava sob pressão interna para responder. O país, que viu o seu ex-líder Imran Khan ser afastado há quase dois anos, vai realizar eleições no próximo mês.

"Houve muita pressão pública sobre o governo para fazer alguma coisa; então eles fizeram isso para mostrar que estão à altura [do Irã]", avaliou o tenente-general reformado Asif Yaseen, um ex-Secretário de Defesa do Paquistão.

Ele disse ter "um pressentimento de que isto vai parar aqui para ambos os países" e que o Paquistão poderia agora estar em posição de reiniciar o diálogo com o Irã.

Síria e Iraque


No início da semana, o Irã também atacou alvos no Iraque e na Síria. Os bombardeios iranianos foram vistos como uma tentativa de demonstração de força da Guarda Revolucionária Islâmica.

O país afirmou que seus alvos eram o Estado Islâmico (EI) e a agência de espionagem israelense Mossad; o Irã diz que ambos estiveram envolvidos no ataque a bomba na cidade iraniana de Kerman no início deste mês, que matou 84 pessoas.

Na ocasião, multidões se reuniam perto do túmulo do comandante da Guarda Revolucionária Qasem Soleimani para celebrar o aniversário da sua morte quando dois homens-bomba explodiram.

Israel também teria sido o autor do ataque aéreo que matou, em 25 de dezembro, um alto comandante da Guarda Revolucionária nos arredores de Damasco, na Síria.

'A escalada mais grave dos últimos tempos'


Alguns analistas sugerem que os ataques do Irã ao Iraque, Síria e Paquistão também estão ligados ao conflito entre Israel e Gaza.

Teerã disse que não quer se envolver no conflito, mas grupos apoiados pelo Irã têm mostrado solidariedade aos palestinos em ações contra Israel e seus aliados.

No entanto, Shashank Joshi, editor da área de Defesa da revista The Economist, diz não acreditar que os ataques sejam resultado do conflito que estourou quando combatentes do Hamas invadiram Israel, em 7 de outubro.

A invasão deixou cerca de 1,3 mil pessoas mortas e desencadeou a retaliação israelense contra o Hamas em Gaza, que segundo as autoridades locais controladas pelo grupo palestino mataram cerca de 24 mil pessoas.

"A história aqui é sobre o Irã flexionando seus músculos, talvez indignado com o que considerou um ataque grave ao seu país", disse ele ao programa Today da BBC Radio 4, se referindo ao ataque em Kerman no início deste mês, que ele descreveu como “o pior ataque terrorista no Irã desde a revolução de 1979”.

O especialista acrescentou ainda que esta “não é a primeira vez que ocorrem tensões fronteiriças, mas é de longe a escalada de tensões mais grave de que me lembro”.

*Com informações de Frances Mao, Caroline Davies e Paul Adams, em Singapura, Islamabad e Londres

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