Sugestões para uma Estratégia Nacional de Defesa



Eduardo Italo Pesce

Em setembro de 2008, o Governo Federal, por intermédio dos ministérios da Defesa e de Assuntos Estratégicos, deve divulgar uma nova Estratégia Nacional de Defesa (END), para complementar a Política de Defesa Nacional (PDN) de 30/06/2005, assim como os demais documentos de planejamento elaborados desde então.

As "novas ameaças" assimétricas não podem servir de justificativa para o descarte dos meios de guerra convencional, nem para a transformação das Forças Armadas em forças especiais ou de segurança, para combate ao terrorismo ou a outras formas de delito transnacional. A manutenção de uma capacidade militar de "resposta simétrica" será indispensável.

As Forças Armadas brasileiras devem estar capacitadas para realizar operações expedicionárias, como são as de manutenção ou imposição da paz. O entorno estratégico do Brasil inclui a América do Sul, o Atlântico Sul, a África Ocidental e Meridional, a Antártica e os países de língua portuguesa.

A Amazônia, assim como o Atlântico Sul, constitui área prioritária para a defesa nacional. As possíveis ameaças terrestres à nossa fronteira noroeste não envolvem propriamente Estados organizados, mas outros tipos de atores externos. Ali ocorrem conflitos "não-westfalianos" de quarta geração, os quais poderiam estender-se ao território brasileiro.

A principal ameaça externa ao Brasil talvez seja o risco de colapso dos Estados em seu entorno estratégico. Isso poderia gerar um fluxo incontrolável (inclusive por via marítima ou fluvial) de refugiados ou de grupos armados em fuga rumo ao território brasileiro, em busca de abrigo ou de uma nova base de operações.

Há algum tempo, o Exército Brasileiro vem remanejando brigadas e unidades, do Centro-Sul para a Amazônia e o Centro-Oeste. Este processo tem custo elevado e não pode ser realizado de forma rápida. A crônica falta de recursos agrava o fenômeno do "cobertor curto", que dificulta a cobertura de todo o território por um número pequeno de unidades.

No caso da Marinha, o remanejamento nem sempre é possível ou desejável. O lugar natural para a sede da Esquadra (assim como da Força de Fuzileiros da Esquadra) é no Rio de Janeiro, embora existam forças distritais desdobradas nas áreas marítimas e fluviais sob jurisdição dos nove Distritos Navais. O Atlântico Sul é o potencial Teatro de Operações Marítimo (TOM) da Marinha do Brasil.

A confirmação das descobertas de enormes reservas de petróleo, em áreas de grande profundidade na Plataforma Continental brasileira, pode causar mudanças significativas na geopolítica mundial. A defesa da soberania e dos interesses do Brasil no Atlântico Sul cabe também à Força Aérea Brasileira, cuja capacidade de patrulha e vigilância marítima necessita ser ampliada.

A defesa aeroespacial e o controle do espaço aéreo também necessitam ser modernizados. O Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (SISDACTA) brasileiro atende com eficiência às necessidades militares e civis. Em futuro próximo, porém, o controle de aeronaves em vôo será feito por satélite, e o Brasil deverá ingressar nessa era.

A concentração das unidades de transporte aéreo da FAB em área central (próxima às brigadas de pára-quedistas e de operações especiais do Exército), de onde possam desdobrar-se em qualquer direção, apresenta vantagens. Tal localização favorece a realização de operações expedicionárias, contra objetivos localizados em áreas remotas do território nacional ou no entorno estratégico do Brasil.

A integração das Forças Armadas deve visar ao incremento de sua interoperacionalidade. Os progressos nesta área têm sido significativos, como demonstram as operações combinadas realizadas nos últimos anos. O desenvolvimento de sistemas de comando e controle, para uso de forças combinadas ou singulares, deve continuar.

O Brasil já tem acesso a sistemas de telecomunicações, de navegação e de coleta de imagens por satélite, disponíveis comercialmente. Entretanto, é necessário possuir sistemas próprios de uso militar (os quais poderiam também ser disponibilizados para uso civil), que não estejam sujeitos a controle estrangeiro.

Nossa indústria de defesa constitui-se predominantemente de empresas de capital privado, as quais necessitam de encomendas para sobreviver. Não é possível sustentar uma indústria desse tipo apenas pela exportação. Encomendas regulares para o mercado interno são indispensáveis.

A ocupação de espaços no mercado sul-americano de defesa seria conveniente. Entretanto, a integração das indústrias de defesa do subcontinente é um objetivo de difícil consecução. Além de mexer com antigas rivalidades regionais, desafiaria os interesses de potências externas.

A constituição de "núcleos de modernidade", os quais se expandiriam à medida que mais recursos se tornassem disponíveis (método do "borrão de tinta"), não terá pleno êxito no atendimento às necessidades materiais das Forças Armadas, enquanto os recursos do orçamento estiverem sujeitos a contingenciamento ou cortes ao longo do exercício.

Para viabilizar o reaparelhamento das três forças singulares, a atual conjuntura de penúria orçamentária das Forças Armadas brasileiras deve ser superada. Para isso, será necessário que o Orçamento da União deixe de ser autorizativo e passe a ser impositivo. Do contrário, não haverá como garantir o fluxo de recursos necessários à manutenção do processo.

Eduardo Italo Pesce
Especialista em Relações Internacionais e professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Cepuerj).

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