Brasil assume curso independente

O Brasil quer evitar que os EUA expandam seu envolvimento militar na América do Sul, que considera sua esfera de influência

Susan K. Purcell - Valor

Até recentemente o governo de Obama assumiu que o Brasil e os EUA eram aliados naturais, que compartilhavam muitos interesses de política externa, particularmente na América Latina. O Brasil, afinal, é uma democracia amistosa e tem uma economia de mercado crescente e valores culturais ocidentais.

Em breve, o país será a quinta maior economia do mundo. O Brasil descobriu recentemente bilhões de barris de petróleo em águas profundas ao largo de sua costa e é uma potência agrícola. O país também tem feito progressos significativos na erradicação da pobreza. Parecia, portanto, natural esperar que o Brasil se tornasse "mais como nós", que procuraria desempenhar um papel mais ativo e construtivo nesse hemisfério, e que os interesses políticos e de segurança americanos e brasileiros em grande parte coincidiriam.

Isso agora parece sonho. Numa série de importantes questões políticas e de segurança, Washington e Brasília, recentemente, não coincidiram. Nem o Brasil tem mostrado uma grande liderança na resolução dos problemas de política e de segurança que a região enfrenta.

Um exemplo é o papel do Brasil na União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Na reunião de setembro, em Quito, focada em questões de segurança regional, entre os temas não discutidos estão a corrida armamentista, envolvendo vários bilhões de dólares na região; a concessão de asilo e outras formas de ajuda da Venezuela às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), um grupo colombiano narcoguerrilheiro, e a crescente cooperação nuclear entre o Irã e a Venezuela. Em vez disso, o Brasil aderiu ao Unasul em críticas à Colômbia por ter concordado em permitir que os EUA usem sete das suas bases militares em atividades contraterroristas e contraentorpecentes na Colômbia.

O fato de a Colômbia estar sob ataque de um grupo guerrilheiro armado apoiado por alguns membros da União não foram considerados relevantes para a decisão da organização de criticar a Colômbia por pedir ajuda de Washington. Além disso, nenhum dos países democráticos na América do Sul, inclusive o Brasil, ofereceu apoio militar ou mesmo retórico à atacada Colômbia.
 
Outro exemplo é a cambiante posição brasileira quanto à importância de governança democrática. Tanto o Brasil como os EUA opuseram-se, inicialmente, à derrubada, por militares hondurenhos, do presidente democraticamente eleito, Manuel Zelaya, apesar de Zelaya ter desrespeitado a Constituição hondurenha. O interesse do Brasil em democracia em Honduras, não se estende, porém, a Cuba.

Apenas semanas antes, o Brasil votou, na Organização dos Estados Americanos (OEA), por levantar a proibição à adesão de Cuba - um país que não realizou nenhuma eleição democrática em 50 anos. Essa decisão contradiz a Carta democrática da OEA.

O Brasil também nunca tentou mobilizar apoio contra o uso, pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, de instituições democráticas para destruir sistematicamente a democracia nesse país. Ao contrário, o presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva está apoiando os esforços da Venezuela para participar do Mercosul (uma união aduaneira sul-americana), apesar das regras que limitam a adesão a países democráticos.

Finalmente, há a questão da patente falta de preocupação do Brasil diante da crescente penetração do Irã na América Latina utilizando-se da Venezuela. Há atualmente voos semanais entre Caracas e Teerã que trazem passageiros e carga à Venezuela, sem qualquer controle aduaneiro ou de imigração. A Venezuela também assinou acordos com o Irã para a transferência de tecnologia nuclear, e especula-se sobre estar dando ao Irã acesso aos depósitos de urânio venezuelanos.

Em vez de manifestar preocupação com as atividades do Irã na América Latina, o Brasil está se aproximando de Teerã e espera expandir seu comércio bilateral de US$ 2 bilhões para US$ 10 bilhões em futuro próximo. O presidente Lula recebeu recentemente o presidente Mahmoud Ahmadinejad no Brasil. Lula reiterou seu apoio ao direito do Irã de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos, ao mesmo tempo insistindo em que não existem provas de que o Irã esteja desenvolvendo armas nucleares.

Várias conclusões podem ser extraídas do comportamento brasileiro. Primeiro, o Brasil quer evitar que os EUA expandam seu envolvimento militar na América do Sul, que considera sua esfera de influência. Em segundo lugar, o Brasil prefere trabalhar dentro das instituições multilaterais, em vez de agir unilateralmente.

Nessas instituições, o Brasil pretende integrar todos os atores regionais, obter consenso e evitar conflito e fragmentação - objetivos meritórios, todos. Mas são objetivos processuais, e não substantivos.

Dito de outra forma, os esforços multilaterais do Brasil na região parecem dar maior valor à aparência de liderança do que a encontrar soluções reais para as crescentes ameaças políticas e de segurança enfrentadas pela América Latina. Ao mesmo tempo, o Brasil parece cada vez mais interessado em atuar no cenário mundial, conforme ilustrado pela recente oferta do presidente Lula de intermediar um fim para o conflito israelense-palestiniano.

Essas conclusões não significam que os EUA e o Brasil não tenham interesses que se sobrepõem, ou que não possam trabalhar juntos para resolver determinadas questões regionais ou mesmo mundiais. De fato, significam que Washington poderá ter de repensar suas premissas sobre em que medida pode-se contar com o Brasil para lidar com problemas políticos e de segurança na América Latina de um modo que seja também compatível com os interesses americanos.

Susan Kaufman Purcell é diretora do Centro de Política Hemisférica da Universidade de Miami.

1 Comentários

  1. Susan, não adianta querer que o Brasil seja "como vocês" isso nunca acontecerá, pois, nós não gostamos de guerra e não nos metemos em problemas em quais não damos "conta do recado", somos pacíficos, queremos resolver nossos problemas e outros problemas na diplomacia, na conversa, sem uso de armas, somos muito diferente de vocês estadunidenses.
    Queremos sim ter um papel influente no Hemisfério Sul e por que não no resto do mundo?
    Sim, nós da América do Sul, "representada" pela UNASUL, estamos preocupados com o uso das sete bases militares colombianas por vocês estadunidenses, com isso será um longo caminho andado para invadir outros países sul americanos, agora que o Brasil descobriu o pré-sal, mais um lugar para vocês quererem "controlar", se vierem para aqui não tenho dúvida que haverá uma invasão dos EUA na Venezuela atrás dos soldados das FARC, assim invadem as fronteiras com a desculpa de estarem perseguindo soldados das FARC, e a Amazônia, fonte de água, plantas medicinais, exóticas, fonte de riqueza natural e claro riqueza financeira também, não é a toa que os EUA querem usar as bases da colombia, assim fazem um cerco na AL e mais dia, menos dia pode ter uma invasão, usarem a Colômbia como trampulim para um grande golpe, manipular a AL por completo, já que terá tropas de acesso em minutos...

    Honduras, nem o Nobel da Paz de vocês conseguiu um acordo entre as partes envolvidas, nem a OEA, então vocês EUA não estão com essa bola toda não, vamos com calma...
    Cuba foi prejudicada principalmente pelos EUA, agora vem falar que o Brasil não está ajudando Cuba, pera lá, vamos medir e ver qual país prejudicou mais, Brasil ou EUA ???

    Preocupação com o Irã na AL, conta outra, quem tá com medo são os estadunidenses, pois se o Irã ajudar países aqui, concerteza esse(s) país(es) sairá forte e a briga com os EUA será grande, briga no sentido de poder, influência na região. Lula está certo ao apoiar Ahmadinejad em usar a energia nuclear para fins pacíficos, porque alguns países podem usar e outros não? Vamos ser democráticos e pensar em como fiscalizar, aqui no Brasil vem um grupo da ONU para fiscalizar as usinas nucleares, mas eles vão para o Irã, sabendo que lá tem essas usinas??? isso não é democrático, fiscaliza um e ignora outro...

    Não sou a favor da vinda de tropas e civis estadunideneses nas bases colombianas pois é um passo dado para terem controle da AL em questão de minutos, podem controlar e abusar de poder nos países menos favorecidos na AL e tornar eles um Iraque, Afeganistão da vida, onde invadem e saqueiam tudo que podem e depois deixa o país em calamidade, para que guerra, para que usar a violência se na conversa podemos resolver questões como produção de bombas nucleares (desculpa esfarrapada que os EUA deu a ONU para invadirem o Iraque, e o pior, "desobedeceram" uma organização internacional e mais outros países - Brasil um deles- que foram contra a invasão).
    A única ameaça que a AL está tendo é a vinda das tropas estadunidenses.

    Os Eua está desestabilizado por não aceitarem que vários países e organizações regionais falarão que não aceitarão as eleições de Honduras como legítimas e os EUA disseram SIM, os EUA está com medo pois o Brasil está crescendo economicamente, está indo contra a algumas vontades dos EUA e aumentando a sua área de influência tanto na AL (digamos que hoje somos "ouvidos" pelos países da AL) como com outros países como França, Irã, Suécia e demais países.

    Não vou me prolongar mais, porque tem muita coisa a ser falada...
    Att...
    Graduando de Relações Internacionais

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