Ex-combatentes usam ecstasy para tentar superar traumas de guerra

Benedict Carey - The New York Times

Centenas de veteranos do Iraque e Afeganistão com estresse pós-traumático contataram recentemente um casal que trabalha no subúrbio da Carolina do Sul para procurar ajuda. Muitos estão desesperados, implorando tratamento e dispostos a viajar para obtê-lo.

Os soldados não têm nenhum interesse nas terapias tradicionais de conversa ou nos medicamentos que resultaram em pouco alívio. Eles estão fazendo fila para experimentar uma alternativa: MDMA, mais conhecido como Ecstasy, uma droga para festas que surgiu na década de 80 e 90 e que pode induzir e ondas de euforia e afeição radiante.

Reguladores do governo criminalizaram a droga em 1985, colocando-a numa lista de substâncias proibidas que inclui heroína e LSD. Mas nos últimos anos, os reguladores licenciaram um pequeno número de laboratórios para produzir MDMA para fins de pesquisa.

"Eu sinto a culpa do sobrevivente, tanto por voltar do Iraque vivo quanto agora por ter tido a oportunidade de fazer esta terapia", disse Anthony, de 25 anos de idade, que mora perto de Charleston, SC, e pediu para que seu sobrenome não fosse divulgado por causa do estigma de tomar a droga. "Eu sou uma pessoa diferente por causa disso."

Num artigo publicado online na terça-feira (20) pelo Journal of Psychopharmacology, Michael e Ann Mithoefer, o casal que oferece o tratamento – que combina psicoterapia com uma dose de MDMA – escrevem que 15 entre as 21 pessoas que se recuperaram de estresse pós-traumático grave usando a terapia no início de 2000 relataram não ter praticamente nenhum sintoma hoje. Muitos disseram que passaram por outros tipos de terapia desde então, mas não com o MDMA.

O casal Mithoefer – ele é psiquiatra e ela é enfermeira – colaborou no estudo com pesquisadores da Universidade de Medicina da Carolina do Sul e da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos, sem fins lucrativos.

Os pacientes deste grupo incluíam na maior parte vítimas de estupro, e especialistas que conhecem o trabalho advertiram que trata-se de algo preliminar, com base em números pequenos, e sua aplicabilidade a traumas de guerra é inteiramente desconhecida. Uma porta-voz do Departamento de Defesa disse que os militares não estavam envolvidos em qualquer pesquisa com o MDMA.

Dada a escassez de bons tratamentos para o estresse pós-traumático, "há uma necessidade tremenda de estudar novas medicações", incluindo o MDMA, disse o Dr. John H. Krystal, presidente de psiquiatria da Escola de Medicina de Yale.

O estudo é o primeiro teste de longo prazo a sugerir que o interesse hesitante dos psiquiatras por alucinógenos e outras drogas recreativas – que é tabu desde os anos 1960 – pode valer a pena. E notícias de que o casal Mithoefer está começando a testar a droga em veteranos foram divulgadas na imprensa e em blogs de militares. "Mais de 250 veteranos nos telefonaram", disse Mithoefer. "Há uma longa lista de espera, gostaríamos de poder atender a todos."

O casal, que trabalha com outros pesquisadores, tratará mais de 24 veteranos com a terapia, seguindo protocolos da FDA [Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA] para testar drogas experimentais; o MDMA não é aprovado para nenhum uso médico.

Uma série de experimentos similares, usando MDMA, LSD ou maconha estão em andamento na Suíça, Israel e Inglaterra, assim como nos EUA. Tanto pesquisadores militares quanto civis estão observando de perto. Até agora, a pesquisa vem sendo financiada em grande parte por grupos sem fins lucrativos.

"Quando se trata de saúde e bem-estar daqueles que servem o país, devemos deixar a política de fora e não ter medo de seguir os dados", disse o brigadeiro-general Loree Sutton, psiquiatra que se aposentou recentemente do Exército. "Há agora uma base de evidências para esta terapia de MDMA e uma história plausível sobre o que pode estar acontecendo no cérebro para explicar os efeitos."

Em entrevistas, duas pessoas que passaram pela terapia – Anthony, atualmente no estudo dos veteranos, e outra que recebeu a terapia de forma independente – disseram que o MDMA produziu um lugar agradável na mente que permitiu que eles sentissem e falassem sobre seu trauma sem se oprimido por ele.

"Ele mudou a minha perspectiva sobre toda a experiência de trabalhar no marco zero", disse Patrick, de 46 anos de idade, que mora em San Francisco, e trabalhou longas horas nos escombros após os ataques de 11 de setembro de 2001, na busca sem sucesso por sobreviventes, enquanto familiares desesperados das vítimas olhavam, implorando informações. "Às vezes eu tinha uma sensação boa e e tranquila quando eu estava no poço, de que eu tinha um propósito, de que eu estava fazendo o que precisava fazer. E eu comecei a me identificar com isso na terapia", em vez de com a culpa e a tristeza.

Os Mithoefers administram o MDMA em duas doses durante uma longa sessão de terapia, que acontece depois de uma série de sessões semanais de preparação sem a droga. Três a cinco semanas mais tarde, eles fazem outra sessão com auxílio da droga; e de novo, os pacientes passam por sessões de 90 minutos sem a droga antes e depois, uma vez por semana.

A maioria descobriu que sua pontuação, dentro de uma medida padrão de sintomas – ansiedade generalizada, hipervigilância, depressão, pesadelos – caiu cerca de 75%. Isso é mais do que duas vezes o alívio experimentado por pessoas que passam por psicoterapia sem o MDMA, dizem os Mithoefer.

O casal trabalha como uma equipe, ficando ao lado do paciente durante todo o tempo que dura o estado alterado. "É muito mais uma terapia não dirigida", diz Mithoefer. "Ficamos com eles por 8 a 10 horas, normalmente, e alternamos entre fazer com que eles conversem conosco e se concentrem no trauma. Parte do que tentamos fazer é ajudar a pessoa a vivenciar a memória, mesmo que seja difícil.”

Para muitas pessoas, a experiência no tratamento é emocionalmente intenso, continua Mithoefer. A droga não deixa “eufórico”, mas normalmente traz alguma tranquilidade.

Estudos de pessoas que tomam MDMA sugerem que a droga induz, entre outras coisas, à liberação de um hormônio chamado oxitocina, que acredita-se aumenta as sensações de confiança e afeição. A droga também parece conter as atividades numa região do cérebro chamada amídala, que é ativada durante situações temerosas e ameaçadoras.

"A sensação que eu tive não foi nenhuma por 45 minutos, depois uma ansiedade muito ruim, e eu estava lutando contra ela no início", disse Anthony, o veterano do Iraque, que patrulhava o sudoeste de Bagdá em 2006 e 2007 em meio a uma perseguição implacável por parte de insurgentes e a ataques com explosivos improvisados. "E então – eu não sei como explicar, exatamente – eu me senti bem e confuso ao mesmo tempo. Limpo. Era quase como se eu pudesse entrar em qualquer pensamento que eu quisesse e corrigi-lo.”

Por exemplo, ele podia pensar e falar sobre um ataque que ocorreu numa cidade perto de Bagdá, no qual os iraquianos que posavam de aliados – e que tinham sido armado pelos militares dos EUA – voltaram suas armas para os soldados dos EUA, matando vários. A unidade não conseguiu evacuar seus feridos rapidamente por causa das condições do tempo. A raiva e a tristeza de Anthony eram tão esmagadoras que ele teve de reprimi-las durante anos.

"Os militares fazem um ótimo trabalho para transformá-lo num soldado, e ensiná-lo a controlar suas reações, e é difícil desligar esses hábitos", disse Anthony.

Ele disse que já não sofre de estresses pós-traumático ou culpa, mais de um ano depois de passar pelo tratamento com MDMA. No novo relatório, os Mithoefer escrevem que descobriram que 80% dos pacientes tratados no início dos anos 2000 informaram que grande parte ou todo o benefício inicial que conseguiram com o teste padrão persistiu durante um a cinco anos depois que a terapia terminou.

Se os resultados com os veteranos forem próximos disso, e tão poderosos e duradouros, dizem os pesquisadores, é provável que o governo se disponha a pagar por um teste mais amplo.

"Isso é realmente o que estamos buscando, e estamos fazendo isso com cautela", disse Rick Doblin, diretor-executivo da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos, que financiou o estudo com o MDMA. “Depois de todo este tumulto cultural, a divisão entre os militares e a comunidade psicodélica, seria realmente significativo se pudéssemos nos unir e usar algumas dessas drogas para ajudar as pessoas.” 


Tradutor: Eloise De Vylder - UOL

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