De olho na AL, Rússia quer fazer armas no Brasil

Venda de armas na América Latina estimula setor bélico russo

Marcos de Moura e Souza, de Brasília - Valor

Depois de verem as vendas de armamentos russos dispararem na América Latina, ao menos duas empresas do setor bélico da Rússia estudam agora a instalação de fábricas no Brasil. Ambas produzem veículos militares e acreditam que, uma vez no país, poderiam não apenas disputar mais contratos no mercado brasileiro, mas também teriam mais espaço em países vizinhas cuja parceria com a Rússia já é mais ativa.

Em entrevista ontem ao Valor, Oleg Strunin, representante da estatal russa de exportação de armas, disse que a ideia que vem sendo avaliada é montar veículos militares com peças brasileiras.

"Nós já oferecemos ao governo do Rio Grande do Sul construirmos uma fábrica de montagem de veículos Tigre, uma espécie de jipe blindado para forças policiais capaz de suportar disparos de até calibre .50", disse Strunin. A oferta foi feita em 2008, mas até agora, segundo ele, ainda está em fase de avaliação por parte do governo gaúcho. "Não há ainda nenhuma fábrica desses veículos na América Latina", disse Strunin. Os veículos, afirma ele, poderiam ter motores fabricados no Brasil.

Strunin, que representa a Rosoboroexport e é vice-chefe comercial da Embaixada da Rússia, disse que a estatal está negociando com a polícia do Rio de Janeiro uma possível compra desses veículos. As conversações levaram no ano passado o secretário estadual de Segurança Pública do Rio, José Mariano Baltrame, a visitar fábricas dos Tigres na Rússia. O argumento de Moscou é que os carros seriam úteis principalmente durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A Rosoboronoexport ofereceu também ao Rio armamentos e equipamentos. Strunin disse que não poderia fornecer detalhes da negociação nem de valores dos equipamentos.

A segunda empresa russa que estuda criar uma planta no Brasil é a fabricante dos caminhões Kamaz. "Estamos também interessados em produzir caminhões Kamaz aqui. A empresa está interessada em montar uma fábrica que use partes brasileiras, não só o motor, mas também outras peças", disse Strunin. Os caminhões, que podem ser usados no transporte de tropas, têm um histórico respeitável em terrenos hostis. Pilotos em caminhões Kamaz venceram várias edições do rally Paris-Dacar.

"O peso da América Latina nas vendas da empresa aumentou muito nos últimos anos. E queremos trabalhar mais com o Brasil por que é o país mais desenvolvido da região . E não só vender, queremos também produzir aqui", disse o representante russo.

O presidente russo, Dmitri Medvedev, se reúne amanhã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília durante a cúpula dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Strunin disse que não sabia se o tema dos contratos com indústrias armamentistas entraria na pauta dos dois líderes.

O mercado latino-americano para equipamentos bélicos - tradicionalmente ocupado pelos EUA - se transformou no maior novo mercado para as empresas russas, segundo o relatório anual do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês) sobre capacidade militar no mundo. O relatório foi divulgado em fevereiro. Segundo o estudo, em 2008 a Rússia, o segundo maior fornecedor de armas do mundo, vendeu um total de US$ 5,4 bilhões.

A Venezuela é o principal comprador de armas russas e na semana passada, após ter se encontrado com o venezuelano Hugo Chávez em Caracas, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, disse que a Venezuela pode comprar mais US$ 5 bilhões em armamentos. Nos últimos anos, o governo Chávez já comprou US$ 4 bilhões em armas russas.

Segundo Strunin, que também representa a corporação estatal Tecnologias Russas (que congrega 450 estatais, incluindo a Rosoboronoexport), a Colômbia e o México são outros dois grandes compradores de armamentos russos atualmente. E, desde 2008, o Brasil passou a ser um destino mais relevante para a indústria bélica russa. Naquele ano, o país assinou um contrato de compra de 12 helicópteros MI 35. Três deles já foram entregues. Os dois países têm outro contrato - firmado em 1994 - para a venda do sistema antiaéreo Igla. Trata-se de um armamento usado de curto alcance para derrubar aeronaves.

São esses os dois contratos em vigor com as Forças Armadas do Brasil que, segundo Strunin, estão agora interessadas no sistema antiaéreo de médio alcance (maior que o Igla) Tor 2m. "Já fizemos algumas apresentações desse equipamento e algumas delegações do Exército e da Força Aérea visitaram a Rússia no ano passado [para obter mais detalhes da arma]. O Tor, diferentemente do Igla - uma arma portátil que um soldado pode apoiar no ombro -, se assemelha a um tanque. "Nenhum país da América Latina ainda comprou esse equipamento. A China é o grande comprador", disse Strunin.
 
Segundo o Ministério da Defesa, os principais países fornecedores de equipamento bélico para o Brasil são EUA, França, Reino Unido e Alemanha. No topo da lista de importação estão aeronaves, blindados e meios navais. O ministério disse que não possui um dado consolidado sobre o quanto em dólares o Brasil importa por ano e que as "compras são realizadas diretamente pelas Forças dentro de seus planejamentos e prioridades".

Do ponto de vista dos exportadores russos, a América Latina não apenas passou a importar mais armas da Rússia como ampliou seu leque de interesses. "Antes eram quase só helicópteros. Agora outros equipamentos e sistemas estão sendo comprados da Rússia", disse Strunin. E há ainda, segundo ele, um grande espaço para aumento das vendas.

"Antes a América Latina não sabia quase nada sobre armamentos russos - à exceção de Cuba e do Peru. Depois do fim da URSS, depois da Guerra Fria, muitos países que não queriam comprar armas russas porque outros poderiam ver com maus olhos passaram a se conhecer os fornecedores russos. E então a América Latina foi descobrindo que há outro mercado, mais barato e com equipamentos mais práticos", disse Strunin.

A Rosoboronoexport tem atualmente como principais compradores a Índia e a China, além de alguns países da Otan, como Grécia e Chipre, e países árabes.

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