'Sobrevivi ao nazistas graças ao Trem Perdido'

Mirjam Lapid-Andriesse tinha 10 anos quando foi tirada de sua casa na cidade holandesa de Utrecht e colocada em um "gueto" de Amsterdã com sua família, em abril de 1943.


Mal Siret | BBC News

Quando criança, ela não sabia da gravidade do que se desdobrava ao seu redor.

Mirjam Lapid-Andriesse, em setembro de 1939
Mirjam Lapid-Andriesse, vista aqui ainda criança, em setembro de 1939, foi uma das que escapou | MIRJAM LAPID-ANDRIESSE

Mais de 100 mil judeus de cidades e vilarejos em toda a Holanda estavam sendo reunidos para serem deportados, principalmente para campos de extermínio em Auschwitz e Sobibor, ambos na Polônia.

As vítimas incluíam milhares de crianças. Apenas 5 mil pessoas sobreviveram.

"Eu era uma garotinha durante a guerra, então minhas lembranças são lembranças infantis, não políticas", ela diz à BBC.

"Eu era a mais nova de quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Lembro-me de que fomos levados do gueto de trem para o campo (intermediário) de Westerbork em junho de 1943."

Mirjam
Mirjam, hoje aos 86, diz que celebra o dia em que sua família foi liberada como um segundo aniversário | MIRJAM LAPID-ANDRIESSE

Mirjam, agora com 86 anos, contou sua história no dia em que a companhia ferroviária estatal holandesa NS - Nederlandse Spoorwegen - começou a aceitar inscrições no programa de compensação que criou por ter ajudado ocupantes nazistas a transportar famílias judias para campos de concentração e extermínio.

Infância roubada

Agora morando em Israel, Mirjam relembra suas memórias da vida em Utrecht, no gueto de Amsterdã e no campo de Westerbork.

Mirjam (no centro, no primeiro plano) e sua família
Mirjam (no centro, no primeiro plano) e sua família são parte de milhares de judeus holandeses deportados | MIRJAM LAPID-ANDRIESSE

"No começo, isso afetava mais os adultos, mas nos afetava também", diz ela.

"Não podíamos ir à piscina ou ao cinema, tínhamos que entregar nossas bicicletas e não podíamos ir a escolas públicas - então, na verdade, perdi três anos de escolaridade."

Apesar disso, ela considera a história de sua família muito feliz, em comparação com os outros.

"Dos seis de nós, cinco sobreviveram. Apenas nosso pai morreu - então tivemos sorte."

O pai de Mirjam, Herman, morreu de severa desnutrição e exaustão em 24 de fevereiro de 1945, apenas seis semanas antes de sua família ser libertada.

O Trem Perdido

Nos dias que antecederam o fim da guerra, os nazistas começaram a destruir as provas materiais dos campos de concentração - incluindo os campos em si e documentos - e a transportar prisioneiros para outros locais na Alemanha.

Foi nessa época, em 1945, quando Mirjam viajava cruzando a Alemanha em um dos três trens que partiam do campo em Bergen-Belsen, que ela foi libertada.

"Nosso trem ficou conhecido como o Trem Perdido", diz ela. Ele ganhou esse apelido porque, destinado a viajar para Theresienstadt - no que é hoje a República Tcheca - foi forçado a redirecionar sua rota devido a um bombardeio, e acabou parando na pequena aldeia alemã de Tröbitz.

Muitas das pessoas a bordo morreram em trânsito devido a desnutrição e doenças.

"Eu comemorei meu 12º aniversário no trem, em 17 de abril de 1945", diz ela.

"Desde então celebro um 'segundo aniversário' em 23 de abril - o dia em que fomos libertados pelo Exército russo em Tröbitz, onde ficamos dois meses detidos. Depois voltamos para a Holanda. Eu tenho, até hoje, contato com uma família lá", acrescenta ela.

A indenização é suficiente?

O envolvimento da empresa ferroviária holandesa NS na assistência aos nazistas nos anos 1940 teve um impacto direto sobre Mirjam e sua família, mas ela não os culpou pelo que aconteceu.

"Lembre-se de que foram os nazistas que pagaram pelo uso das ferrovias holandesas - mas a empresa não teve escolha. Eu não acho que eles poderiam ter dito não, eu não posso culpá-los por isso."

E quanto à compensação que agora está sendo disponibilizada às vítimas, isso fará diferença? É suficiente?

"Eu nunca esperei nada - 15 mil euros [R$ 66.561, em valores de 6 de agosto de 2019] é muito dinheiro. Estou planejando fazer algo especial com isso. No ano que vem serão 75 anos desde que me libertei. Estou planejando levar toda a minha família - os filhos e netos - para Tröbitz para celebrar minha vitória pessoal."

Mirjam mudou-se para Israel em 1953. Toda a sua família se mudou para lá "porque não queríamos que nada assim acontecesse novamente".

"Eu me casei, meu marido é sul-africano. Vivemos no Kibbutz Tzora e criamos cinco filhos. Tenho 14 netos."

Ela acrescenta que, infelizmente, um de seus filhos foi morto em um acidente de helicóptero enquanto trabalhava como piloto no Exército israelense.

Qual foi o papel da empresa ferroviária?

Um representante do Memorial Nacional de Westerbork, Dirk Mulder, disse em uma entrevista à TV no ano passado que a NS havia "cumprido a ordem alemã de disponibilizar trens".

"Os alemães pagaram por isso e disseram que a NS tinha que elaborar um cronograma. E a empresa o fez sem uma palavra de objeção", disse Mulder.

Westerbork tornou-se um campo de trânsito em 1941 e os primeiros deportados partiram de lá em 15 de julho de 1942. O último trem partiu com 279 judeus. 
Além dos 100 mil judeus, foram deportados da Holanda 245 ciganos.

Em novembro do ano passado, a NS disse que seu papel na operação de trens em nome dos ocupantes nazistas da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial era "um passado do qual não podemos desviar o olhar".

A NS, que se desculpou formalmente em 2005 e descreveu as deportações como uma "página negra na história da empresa", prometeu a cada sobrevivente 15 mil euros, enquanto até 7,5 mil serão destinados a filhos e cônjuges viúvas de vítimas.

"Estima-se que vários milhares de pessoas sejam elegíveis para o subsídio, incluindo um número estimado de 500 sobreviventes. A NS vai reservar várias dezenas de milhões de euros para isso nos próximos anos", disse a empresa, em um comunicado, em junho.

A Organização Mundial Judaica de Restituição, que reivindica as propriedades judias roubadas pelos nazistas na Europa, saudou a medida, mas também pediu que a NS fornecesse fundos adicionais como uma "expressão coletiva de reconhecimento do sofrimento e do destino" das vítimas.

Esses fundos adicionais, disse o grupo, poderiam ser usados ​​para "perpetuar a memória daqueles que pereceram" através de uma variedade de programas educacionais.

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