Força Aérea leva 41% do pacote militar de 100 bilhões de euros da Alemanha

Anunciado no começo da Guerra da Ucrânia, gasto só foi aprovado pelo Parlamento agora

Igor Gielow | Folha de S.Paulo


SÃO PAULO, SP - A compra de novos caças é a prioridade do pacote militar que irá triplicar o orçamento de defesa da Alemanha neste ano, uma das mais importantes mudança geopolíticas na Europa decorrentes da invasão russa da Ucrânia.

F-35 holandes | Stoian Nenov | Reuters

O documento detalhando a divisão do plano do premiê Olaf Scholz foi divulgado nesta terça (31), três meses depois de Berlim ter feito o anúncio do incremento de EUR 100 bilhões (R$ 507 bilhões no câmbio de hoje) devido à guerra de Vladimir Putin contra o vizinho.

Scholz, que ocupa o cargo desde dezembro passado, teve de negociar com a oposição democrata-cristã e com partidos de sua própria coalizão, chegando a um acordo no domingo (29).

A Força Aérea irá ficar com 40,9% das verbas. Ela já havia anunciado que pretende comprar ao menos 35 novos caças norte-americanos F-35, que irão substituir os antigos Panavia Tornado, feitos por um consórcio europeu, na função de ataque com capacidade de uso de armas nucleares.

Será também comprado um novo lote do caça multinacional europeu Eurofighter Thypoon, que Berlim já voa, ao menos 15 unidades, mas provavelmente mais. O valor anunciado é bastante superior a esses números de aquisições. Hoje os alemães têm 140 Eurofighter e 88 Tornado.

E também será destinado dinheiro para o programa que a Alemanha tem com a França para desenvolver um caça de quinta geração, uma resposta política a Paris pelo fato de que a aquisição dos F-35, que são aeronaves dessa categoria, na prática mata essa iniciativa. Um sistema de alerta antecipado por satélites também deverá estar na conta.

A Marinha terá 19,3% do pacote para comprar novos submarinos e navios e o Exército, 16,6% para desenvolver novos carros de infantaria. Outras verbas vão para programas diversos das três Forças.

É uma mudança histórica. Desde o fim do século 19, quando se unificou em um império, a Alemanha é vista como uma ameaça por seus vizinhos. Provou isso na Primeira Guerra Mundial (1914-18) e na ascensão do nazismo, que desembocou no segundo conflito global (1939-45).

Durante a Guerra Fria, foi dividida entre a União Soviética e os Aliados, dando à luz dois países, a Alemanha Ocidental capitalista e membro da Otan (clube militar dos EUA) e a Oriental, comunista e prócer do Pacto de Varsóvia comandando por Moscou.

O solo alemão era o principal candidato para o início da Terceira Guerra Mundial, com forte militarização terceirizada pelas superpotências. Mas iniciativas militares próprias foram tolhidas, pelo temor do peso histórico do país. Com o fim da Guerra Fria, em 1989, e a reunificação de 1990, a Alemanha buscou demonstrar seu poder no projeto europeu pela economia.

Viu seu gasto militar diminuir, e as Forças Armadas serem questionadas até de forma existencial. No arranjo até 24 de fevereiro deste ano, era aceitável a Berlim, apesar das críticas americanas, acentuadas principalmente na balbúrdia do governo Donald Trump (2017-21).

O pacifismo é uma força poderosa no país, base de partidos fortes como o Verde, que está na aliança de Scholz. Ao longo dos anos, particularmente após o complexo processo de absorção da metade comunista à capitalista, houve o interesse em não melindrar Moscou por motivos energéticos.

Projetos conjuntos na área de gás, área na qual a Alemanha depende da Rússia, são a base da crítica feita em Kiev e nas capitais do Leste Europeu a uma suposta leniência de Berlim com o rumo da guerra. Mesmo a entrega de armas mais pesadas, anunciada com fanfarra, não se concretizou integralmente ainda.

Mas os números entregues por Scholz, ainda que digam respeito à Alemanha e não à Ucrânia, são uma novidade no jogo. Neste ano, segundo dados da Otan, o orçamento militar alemão, compreendendo pessoal, era de EUR 50,9 bilhões (R$ 258,5 bi). Isso dava algo como 1,5% do Produto Interno Bruto, abaixo da recomendação de 2% aplicada aos 30 membros da Otan.

Agora, ao menos em relação ao gasto deste ano, o valor triplica e a porcentagem sobe para 2,8%, o maior da história recente do país. Ainda não há detalhes do escalonamento do pacote, mas teoricamente ele está incluso no orçamento federal deste ano, por meio de um fundo especial criado para isso.

O ritmo de dispêndio bélico deverá seguir em alta, como é previsível com o novo ambiente de segurança europeu, que já registra compras anunciadas por países como Polônia, Bulgária e Romênia. Os EUA já anunciaram o maior orçamento militar da história para 2022-23 e uma corrida armamentista da qual fabricantes americanos são os principais ganhadores está em curso.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem