"A Ucrânia será dividida. Essa é a realidade"

Presidente de consultoria de risco avalia que situação militar e tensão nos EUA vão acabar levando Ocidente a conviver com a ocupação de parte da Ucrânia pela Rússia. "Não digo que é justo. Mas é o que deve acontecer".


Jean-Philip Struck | Deutsch Welle

Munique - O atual quadro na frente de batalha ucraniana e as dificuldades crescentes nos Estados Unidos sobre a continuidade do envio de ajuda militar a Kiev devem levar o Ocidente a aceitar conviver com uma Ucrânia dividida, com parte do território do país ocupado pela Rússia. Essa é a avaliação do cientista político americano Ian Bremmer, fundador e presidente da Eurasia Group, principal consultoria de risco do mundo.

"A Ucrânia será dividida. Essa é a realidade" © Riccardo Savi/Getty Images for Concordia Summit

"Quando eu digo que uma partilha da Ucrânia é inevitável, eu não vejo como justo ou aceitável. Mas acho que isso vai acontecer. Como um cientista político, eu não posso mentir na minha análise", avaliou Bremmer, que indicou a existência de conversas nesse sentido entre políticos do Ocidente, especialmente nos EUA. "Há um reconhecimento de que os ucranianos não vão conseguir retomar seus territórios."

Segundo o cientista político, essa é uma realidade que deve se impor, mesmo que o discurso oficial ainda contraste.

"Estamos falando de dividir a Ucrânia. Uma partilha. Ninguém vai aceitar isso. Mas os americanos são bons em aceitar o inaceitável. A Coreia do Norte tem armas nucleares. Para os americanos isso ainda é inaceitável, mas aprenderam a conviver com isso. O mesmo vale para o Talibã governando o Afeganistão. Maduro na Venezuela. Assad na Síria. Uma partilha da Ucrânia pode ser uma dessas coisas", disse, citando ainda que em 2014 a Europa também acabou aceitando conviver com a ocupação da região ucraniana da Crimeia pela Rússia.

As declarações foram feitas nesta sexta-feira (16/02) em uma mesa redonda com jornalistas durante a Conferência de Segurança de Munique, Alemanha, que ocorre anualmente e é considerada a "Davos da Defesa", reunindo dezenas de líderes mundiais e ministros para debater temas de segurança e geopolítica.

Entre os participantes deste ano estão a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, entre outros. Líderes russos não foram convidados.

Dificuldades na frente de batalha – e nos EUA


Na sua avaliação de que o quadro na Ucrânia caminha para uma partilha, Bremmer citou como determinantes a atual situação militar do país – no ano passado, as altas expectativas provocadas pela ofensiva lançada por Kiev não renderam os resultados esperados – e o futuro da ajuda americana.

"A idade média de um combatente ucraniano está em 37 anos. Não é possível manter isso pelos próximos anos", disse. "A habilidade e vontade dos EUA de continuarem a liderar o fornecimento de ajuda à Ucrânia têm se tornado mais radicalmente desafiadoras", afirmou, citando os recentes embates na Câmara dos Representantes dos EUA, dominada pela oposição republicana e na qual a aprovação de um novo pacote bilionário de ajuda à Ucrânia segue indefinida.

Em sua análise, Bremmer elaborou que o desfecho de uma Ucrânia dividida não deve ocorrer por meio de negociações ou pressão direta sobre a liderança ucraniana nos próximos meses.

"Ninguém está falando em negociações nos EUA até o fim das eleições. Não é como se os americanos estivessem planejando forçar Zelenski a se sentar e negociar com o governo russo. Mas há um reconhecimento de que os ucranianos não têm capacidade para retomar seus territórios. E, se eles não têm capacidade militar, será preciso achar um jeito de congelar o conflito, conseguir um cessar-fogo e seguir adiante. A questão é como esse 'seguir em frente' será. Quando eu digo que haverá uma partilha, não estou sugerindo que haverá um acordo no qual o Ocidente reconhece as anexações pela Rússia como legítimas, só estou apontando que a Ucrânia será dividida em duas. Essa é a realidade com a qual vamos conviver", avaliou Bremmer.

O cientista político ainda especulou sobre como esse quadro será encarado na Ucrânia.

"Como isso poderá ser pintado para os ucranianos como uma vitória também é uma pergunta em aberto. Nada poderá solucionar os crimes de guerra, os feridos e mortos e os territórios tomados. Mas, se a Ucrânia pode vir a ser reconstruída – os 82% do território que eles controlam –, tiver garantias de segurança e conseguir entrar na União Europeia, os ucranianos e seus filhos poderão ter um futuro que não estavam em seus horizontes antes de 2014 ou 2022", analisa.

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