Vítimas de teste nuclear dos EUA seguem sem reparação

Em 1º de março de 1954, Estado Unidos realizaram a detonação da maior bomba nuclear da história no Atol de Bikini. Diversas embarcações de pescadores foram atingidas pela radiação.


Julian Ryall | Deutsch Welle

Setsuko Shimomoto viaja para as Ilhas Marshall para participar de um evento em memória dos 70 anos do teste nuclear Castle Bravo no Atol de Bikini. Shimomoto acredita que o experimento causou a morte de seu pai.

Teste em 1º de março de 1954 foi significativamente maior do que haviam previsto os cientistas que desenvolveram a bomba de hidrogênio | CPA Media Co. Ltd/picture alliance

O teste em 1º de março de 1954 foi significativamente maior do que haviam previsto os cientistas que desenvolveram a bomba de hidrogênio. Até os dias atuais, Castle Bravo permanece sendo a maior bomba nuclear detonada pelos militares americanos. O fracasso em prever as dimensões da explosão, combinado com os ventos fortes na região do Pacífico Central, fizeram com que a radiação se espalhasse por uma ampla área no oceano e atingisse mais de mil barcos de pesca japoneses.

Daigo Fukuryu Maru (Dragão da Sorte 5) é o barco mais conhecido dentre os atingidos pela precipitação nuclear. Os 23 tripulantes da embarcação enfrentaram a síndrome da radiação aguda, cujos sintomas incluem náusea, dores de cabeça e nos olhos. Um dos tripulantes, Aikichi Kuboyama, morreu seis meses depois de complicações decorrentes dessa exposição.

A história de Toubei Oguro


O Dragão da Sorte 5 está atualmente em exposição num museu em Tóquio. Contudo, as outras embarcações de pesca japonesas que também foram atingidas na área, que levavam em torno de mil pescadores, acabaram sendo esquecidas, algo que Shimomoto quer mudar.

"Sinto que é importante para mim ir às ilhas Marshall nesse 70º aniversário. Há dez anos, Matashichi Oishi, um dos tripulantes do Dragão da Sorte 5, participou da cerimônia e discursou", disse Shimomoto à DW. "Quero expressar o medo da radiação. Quero que todos os países do mundo adiram ao Tratado sobre a Proliferação de Armas Nucleares, que proíbe o desenvolvimento, posse, uso, ameaça e transferência dessas armas."

Shimomoto quer também ampliar o apoio aos cidadãos de Hiroshima e Nagasaki que sobreviveram às bombas atômicas de 1945. Ela pede apoio a uma série de processos legais movidos por pescadores japoneses ou seus familiares contra o governo do Japão pedindo compensações e acesso à assistência médica.

Seu pai, Toubei Oguro, era um pescador de 30 anos a bordo do barco japonês Dai-Nana Dai Maru, que pescava atum, quando a Castle Bravo foi detonada às 6h45 no horário local em uma plataforma erguida no Atol de Bikini. Seis anos depois, segundo o livro de registros, ele foi dispensado em razão de uma doença não especificada.

Aos 60 anos, Oguro foi submetido a uma cirurgia que removeu três quartos de seu estômago devido a um câncer. Mas, somente depois de sua morte aos 78 anos, em 2002, foram realizados exames médicos mais aprofundados nos tripulantes do Dai-Nana Dai Maru e de outros barcos que estavam no Atol de Bikini em 1954.

Os testes confirmaram anormalidades cromossômicas, mas os esforços dos pescadores para obter reconhecimento e indenizações não deram resultado.

Em 1955, os Estados Unidos pagaram ao Japão 2 milhões de dólares como um "consolo", mas se recusaram a assumir a culpa em nível político. O governo japonês pagou 2 milhões de ienes (o equivalente a R$ 66 mil em valores atuais) a cada tripulante do Dragão da Sorte 5, mas não forneceu nenhuma ajuda aos pescadores das outras embarcações. Críticos afirmam que Tóquio queria apenas enterrar a questão o mais rápido possível para evitar confrontos com os EUA.

"Sem prejuízos à saúde"


O Ministério japonês da Saúde em Tóquio admitiu que as tripulações de dez navios foram expostas à radiação, mas insistiu que as doses "não atingiram níveis que pudessem prejudicar sua saúde".

O problema foi deixado de lado até 1985, quando estudantes de uma escola em Kochi – de onde partiram muito dos barcos que foram expostos à radiação da Castle Bravo e de outros testes – entrevistaram os pescadores como parte de um projeto escolar.

A imprensa local e, logo depois, a nacional, disseminaram as histórias dos pescadores e passaram a levantar uma série de questões. Pedidos feitos ao Ministério da Saúde e Bem-Estar Social por informações detalhadas sobre o impacto da radiação sobre os pescadores foram rejeitados. A pasta argumentou que os documentos coletados à época não estavam mais disponíveis.

Em resposta a uma série de desafios legais, porém, os burocratas finalmente admitiram em setembro de 2014 que os dados sequer existiam.

A longa demora na entrega dos documentos evitou que os pescadores pudessem mover processos legais por compensações contra os EUA. Eles acusam que o governo japonês de reter propositalmente essas informações.

Dois tribunais de primeira instância suspenderam processos movidos por 31 vítimas alegando a prescrição do caso após 20 anos. Apesar do grupo argumentar que o governo omitiu provas que seriam fundamentais, os tribunais consideraram que as informações não foram ocultadas de maneira intencional e mantiveram suas decisões.

Acobertamento


Masayoshi Naito, é advogado do escritório Higashi Kanda em Tóquio, que representa um número cada vez menor de vítimas. "Temos que lembrar que esse caso veio logo após o cessar-fogo na Guerra da Coreia e o estabelecimento da República Popular da China [em 1949], e havia a preocupação de que o incidente com o Dragão da Sorte pudesse dar impulso ao movimento antinuclear no Japão", observou.

"Os governos dos EUA e do Japão tentaram acobertar o que ocorreu nas ilhas Marshall", disse Naito, acrescentando que era fácil fazer isso sob a égide da segurança nacional, além do fato de que muitos pescadores que foram expostos à radiação somente começariam a demonstrar os sintomas anos mais tarde.

Os pescadores não protestaram de maneira veemente logo de início porque temiam um possível ostracismo na sociedade japonesa, o que colocaria em risco seus meios de sobrevivência, explicou o advogado.

Naito apelou das decisões dos tribunais de primeira instância em 2019, exigindo que o seguro de saúde para trabalhadores marítimos administrado pelo governo pagasse o custo dos tratamentos de saúde dos pescadores.

Com o caso prestes a ser levado para uma audiência em Tóquio, Naito admite que não será fácil convencer os juízes, mas acredita que o caso deve girar em torno de "como a corte reagirá ao acobertamento dos fatos pelo governo".

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